Desamor

 


Dia desses estava vivendo, escrevendo e pensando sobre o "morar só" (Demônios), cheguei à conclusão que morar só nos leva a ver e aceitar nossos demônios, ou sombras para quem gosta de psicanálise. Levando em consideração que nos descobrimos com o outro, já imaginaram como seria não apenas morar só, mas viver só? Como seriam nossos traços de comportamento?

Há quem diga que não exista uma essência puramente nossa, pois esta seria moldada pelo outro; pelo grupo; pelo meio em que estamos inseridos. Dependendo do grupo de amigos com quem estamos, um traço nosso se evidencia; com a família é outro traço evidenciado e logo, outro comportamento; com amantes, outro traço se acentua; e assim sucessivamente...

Seguindo esta linha de raciocínio, quando perdemos ou nos afastamos de alguém, não perdemos somente este alguém fora de nós, mas perdemos quem éramos para o outro e consequentemente a imagem que tínhamos de quem éramos para este outro. 

Percebam então, que trata-se de uma dupla perda (as vezes até tripla), perde-se o amor e perde-se esse alguém (e as vezes a nós mesmos também). Quando não se trata de caso de motivo maior (morte por exemplo), geralmente o alguém que se vai é uma imagem idealizada que fizemos; o alguém real persiste e fica ali, inacessível, frio, repulsivo.

Há ainda a possibilidade de o amor acabar para o outro e não para você, ou seja, você ama, mas não tem mais reciprocidade, dá aquela sensação horrível de abandono, mesmo que aquele alguém ainda esteja fisicamente lá. Aquele que fica já é irreconhecível, o amante de outrora morreu, se fora; é injusto sim, insistir em um sentimento que já não existe como antes.

Tudo acaba nessa vida, seja por morte, por desafinidades, por inexperiência ou por orgulho, parece incompreensível que o amor acabe, mas acontece assim, quase de repente, e existem até poemas sobre:

“O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão..."

Trecho de "o amor acaba" de Paulo Mendes Campos


Passa-se rapidamente do amor à indiferença, diálogos outrora extraordinários, agora demasiadamente curtos e desinteressados; migalhas que ninguém deveria merecer. Afirmaria categoricamente que é uma das piores dores que se pode ter, quem olha de longe nem nota, mas ela estará lá, esmagando o peito e dói...dói... como dói a dor de amor...

ou melhor, a dor de desamor.




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