Oração da gestalt


“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, será lindo. Se não, não há o que fazer.”

Fritz Perls


A oração da Gestalt é um poema que define as responsabilidades dos parceiros.

No turbilhão de maravilhas e encantamentos que nos cegam durante o início de uma paixão é muito fácil esquecer a racionalidade, e uma oração destas, passa a ser vista como mau agouro.

É necessário explicitar que apesar do nome como é conhecida, não é uma oração religiosa, está mais para uma espécie de mantra, onde relembramos o que é problema de um, não deve ser do outro. Em um primeiro olhar, parece fria e egoísta mas por ser extremamente racional, por vezes é mal interpretada. Há críticas a ela, afirmando que o autor, Fritz Perls, prega um individualismo exacerbado, enfatizando o “eu” e o “tu”, e deixando de dar importância ao “nós”.

Mas vejamos com mais calma:


Eu sou eu

O primeiro pré-requisito para qualquer relacionamento maduro e saudável é que eu saiba quem sou, que eu reconheça e aceite todas as partes que compõem minha individualidade (tanto minhas qualidades e recursos, quanto meus defeitos e limitações), e que eu assuma totalmente a responsabilidade por tudo que sinto, penso e faço.


Você é você

O segundo pré-requisito é ser capaz de reconhecer o outro como outro, diferente de mim. Temos a tendência de projetar nossos sentimentos, expectativas, conflitos, significados, na outra pessoa, principalmente quando não temos uma consciência clara desses aspectos. Interpretamos muitos comportamentos das outras pessoas como algo dirigido a nós, quando, na maior parte das vezes, esses comportamentos têm a ver com o referencial delas, não tem nada a ver conosco.


Eu faço minhas coisas, você faz as suas

Vamos fazer uma analogia e comparar as duas pessoas envolvidas em um relacionamento como se fossem dois círculos. Se eles estão completamente separados, não existe relação. Se eles estão sobrepostos, isso configura uma confluência (fusão, simbiose), em que a individualidade dos dois está anulada. 


Se eles têm um espaço de intersecção, existe uma interdependência – cada um tem o seu espaço individual, em que desenvolve seus próprios interesses e preferências, e existe o espaço comum aos dois, em que fazem coisas juntos e compartilham experiências.


Não estou neste mundo para viver de acordo com suas expectativas, e você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas

Quando iniciamos um relacionamento, podemos ficar extremamente preocupados em relação ao que o outro espera de nós; algumas pessoas parecem ter desenvolvido “antenas” para captar as necessidades do outro e tentam satisfazê-las, na expectativa de assim obter afeto e aprovação. No entanto, agir dessa maneira é uma armadilha, por várias razões:

  • À medida que a relação avança o parceiro que recebe demais se torna desinteressante. Afinal, a pessoa que faz de tudo para agradar o outro o considera inalcançável. Logo, perderá o interessante por causa do desgaste físico e emocional;
  • Quem se dedica demais aos outros acaba se anulando, pois cria expectativa de receber demais, essa pessoa sente frustração e cansaço. Além disso, quem se doa demais também pode achar que o outro é ingrato. Temos uma ideia errônea de que seremos tratados da mesma maneira como tratamos o outro, e na verdade somos tratados pelo outro da mesma maneira que nós nos tratamos; 
  • Talvez essa pessoa que se doa demais nunca se sinta amada de verdade. Então, ela representa algo que não é na vida real. Dessa forma, ela apenas adia os problemas da relação, enquanto finge ser quem não é; 
  • Finalmente, ninguém consegue sufocar suas verdadeiras necessidades e sentimentos para sempre, então esse relacionamento na verdade se torna uma “ bomba relógio”, aquilo que a pessoa faz para manter a harmonia, para evitar brigas, é exatamente o que vai levar à ruptura.

E se por acaso nos encontramos, será lindo. Se não, nada há a fazer

A frase "cereja do bolo" para o pessimista e para o inseguro, mas que afirma uma grande verdade. Aprendemos com a oração da Gestalt a enxergar a verdade das relações. A primeira é que nunca aceitaremos de verdade aquilo que não queremos. Além disso, nós nunca devemos fingir ou ultrapassar os nossos limites por alguém.

Mesmo que duas pessoas tenham afinidades, elas nunca terão as mesmas necessidades. Dessa forma, os parceiros devem expressar o que pensam e sentem um para o outro. Assim, eles tornam a relação mais clara, percebendo onde se encaixa, onde concordam e o mais importante, onde destoam.

Então, se os parceiros tiverem respeito e afeto genuínos entre si, podem continuar a relação. Contudo, as pessoas devem entender também como as diferenças podem distanciá-las.


Fritz Perls criou a oração da Gestalt para favorecer o nosso senso de responsabilidade. Segundo ele, é importante que nós nos protejamos da carga do outro. Dessa forma, estaremos livres de problemas que não nos pertencem. Assim, o poema define que cada pessoa deve valorizar a própria autonomia. Se houver afeto genuíno, respeito verdadeiro e aceitação pela individualidade do outro, poderemos continuar nos relacionando. Se, no entanto, constatarmos que o abismo entre as minhas expectativas e as do outro é muito grande, talvez seja melhor reconhecer isso, nos despedirmos com gratidão do que foi vivido e cada um deve trilhar o seu caminho, quem sabe, com outro companheiro(a) de viagem.

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