A procura da (in)felicidade

 


"Nada é mais difícil de suportar que
uma sucessão de dias belos."
Goethe

Na mitologia grega conta-se que Pandora era uma mulher criada por Hefesto para Zeus se vingar da humanidade (isso porque seu irmão, o titã Prometeu tinha revelado aos homens o segredo do fogo). Pandora carregava consigo uma caixa que jamais deveria ser aberta, ordem a que ela, curiosa, desobedece. Assim, liberta da caixa males desconhecidos pelos seres humanos, tais como mentira, discórdia, guerra, ódio. Percebendo o erro, ela fecha a caixa, mas deixa ali dento a esperança, o que pode indicar que a esperança está guardada, sempre à disposição - ou que a esperança ficou trancada e que a humanidade carece dela.

Uma das traduções possíveis em grego para esperança é "elpis", que pode significar também, "expectativa". Oras, uma palavra que tem sido amaldiçoada pela modernidade (e por mim inúmeras vezes também). Pois, imaginem:

Eu, que adoro pedalar, tenho convite para um encontro de pessoas que também adoram pedalar, irei sozinha ao evento e dai... posso dar asas a imaginação. Posso imaginar que vou conhecer muita gente nova e legal, posso imaginar que poderei fazer novos amigos e trocar experiência e até quem sabe encontrar uma "alma gêmea"!

São infinitas as possibilidades, mas apenas uma delas vai se concretizar, apenas o mundo real, o que aconteceu vai estar lá, todas as outras possibilidades imaginadas ficam de fora. Se pensarmos expectativa como desejo, logo teremos sempre um sentimento de insatisfação infinita, um buraco que nunca está e nunca será preenchido.

Não é incorreto e nem pecaminoso pensar no futuro, nem criar expectativas, mas há uma grande diferença entre ter uma frustração aqui e ali e viver em frustração... Afinal, porque será que nós humanos sempre estamos lutando contra a conformidade ou ficamos à mercê de nossas expectativas pra tudo?

Talvez a psicanálise, não a de Freud, a de Lacan nos dê uma luz. Chega a ser paradoxal, mas o ser humano se satisfaz com tudo, inclusive com infortúnios, duvidam?! Trabalhando com público em uma farmácia sempre têm pessoas indo e vindo, e quando não tem celular para se distraírem na fila, estranhos passam a conversar sobre seus causos... 

- "Minha diabetes está 300"

- "Puxa vida?! Isso não é nada, a minha está quase em 500"

Ora, ora, temos uma sensação de gozo e triunfo do segundo indivíduo, afinal, ele é superior em algo em relação ao primeiro, mesmo que seja uma desgraça. Logo, se comemos, a comida nos satisfaz; se dormimos, o sono nos satisfaz; se conseguimos um bom emprego, nos satisfazemos; se não conseguimos... álcool para satisfazer também (e afogar as mágoas também). Lacan chamou isso de gozo, sempre conseguimos satisfação, apesar de nem sempre haver o prazer.

É dito que dentro da caixa de pandora haviam grandes males para a humanidade, então aqui, não irei perder a chance de amaldiçoar mais uma vez a esperança/expectativa (quando sem sentido, claro). Mas a conclusão mais perturbadora é o fato de que mesmo a realidade que aconteceu ser a única que podemos viver, aproveitar e lembrar, ela ainda deixa um vazio imenso para quem esperava mais; buscamos inconscientemente o gozo na frustração? Será que torcemos também para que nossos planos deem errado, apenas para que se cumpram as expectativas mais pessimistas? A busca frenética da felicidade traz mais infelicidade? Talvez sim, mesmo que inconscientemente, pois ser feliz com prazer e poucas expectativas dá muito trabalho.

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