Cidade de Calipso

 


"Eu vou tomar um tacacá. Dançar, curtir, ficar de boa. Pois quando chego no Pará..." 

Opa, opa, opa!!!!!!

Pra quem viu o título, lamento, não é desta Calipso que irei abordar aqui, mas sim fazer uma analogia com a ilha de Calipso, onde Ulisses no conto grego da odisseia naufragou em sua costa. Calipso, uma ninfa do mar, muito sedutora e caprichosa acolheu-o em sua morada e por ele se apaixonou. Passava os dias a tecer e a fiar, e neste tempo insistia em seduzi-lo, oferecendo-lhe inclusive a imortalidade se aceitasse ficar com ela para sempre.

O protagonista, entretanto, resistia, sem conseguir esquecer sua pátria, sua esposa (Penélope) e seu filho (Telêmaco). Passados sete anos, após os quais Poseidon acalmara a sua ira, Zeus, compadecido, enviou Hermes até à presença de Calipso com ordem para que ela libertasse seu hóspede. Desse modo, mesmo contra a sua vontade, ela forneceu os recursos para que Ulisses construísse uma jangada, deu-lhe provisões e assegurou-lhe as condições favoráveis para o caminho de volta ao lar.


Depois de cruzar o Brasil de norte a sul e, morar e trabalhar em vários cantos, uma coisa se tornou translúcida pra mim, cada cidade tem uma personalidade própria, e quando esta é difícil, a necessidade de se estar aberta para um aprendizado deve ser bem maior também. Algumas coisas são tão imutáveis que nos cabe apenas a escolha de aceitar ficar ou ir embora, e nisso o curitibano tem razão quando xinga quem não gosta de Curitiba. Estar numa cidade desejando o tempo todo que ela seja diferente é coisa de gente lunática, é disputar para perder contra séculos de histórias e costumes.

Vivo em Curitiba a bem dizer desde 2017, e sempre me falam – você não é daqui, né? Com o tempo a gente se habitua tanto em ouvir isso que sem notar, passamos a adotar certas "curitibanidades" também. Rapidamente ficamos mais silenciosos e menos receptivos. Essa cidade tem dessas coisas. Como uma verdadeira montanha russa, eu a amo e a odeio, quase como uma relação abusiva.

“Então vai embora!”, diz o curitibano com raiva cada vez que falam mal da cidade dele. Mas Curitiba também tem uma característica estranha de prender as pessoas aqui, como se fosse uma versão moderna das sereias da odisseia de Ulisses ou pior, a ilha de Calipso onde este mesmo Ulisses ficou preso e iludido por anos. A cidade prende e a gente vai ficando, ficando, meio odiando ficar, mas reconhecendo também que ela tem muito a oferecer, para mim que vim de uma terra cheia de espertalhões, ladrões a rodo pelas ruas e MUITA sujeira, reconheço obviamente que as ruas são limpas, as pessoas são polidas, a privacidade é um direito e mesmo contradizendo a bolha curitibana, é uma cidade pra lá de segura. E nem irei abordar a questão do preconceito paraense contra pessoas transgeneros...

Pensando em minha estadia e pesquisando de outras pessoas e fontes, reuni 3 motivos que fazem a maioria das pessoas "não querer ficar já ficando" em Curitiba por muito tempo:


Variação climática

Que tal levar o aquecedor de um lado pro outro da casa como um cachorro? Ligar o aquecedor no quarto fechado e ficar aguardando o ar quente agir apenas para dar coragem de deitar na cama? E lavar a louça em dias frios? Difícil não é mesmo?! Algum espertinho logo falará que todo inverno em todo lugar do mundo é assim... Acontece que até no verão existem dias de frio pro estas bandas. A alcunha de "chuvitiba" não é menos incômoda também... e os casos de internação por excesso de calor e a escassez hídrica que vez ou outra faz com que racionamentos sejam necessários? E os dias interminavelmente nublados... Pois é, nota-se que o sistema imune tem que lutar para valer, e o humor que se segure com tanta instabilidade. Para se ter ideia, há dias em que a temperatura varia de 6°C a 28°C facilmente.



Por curiosidade, além do "você não é daqui", o segundo grupo de frases preferidas do nativo para quem é de fora é falar algo relacionado ao famoso frio curitibano, coisas como "ah, mas aqui faz mais frio que qualquer lugar", "não tá com frio? Espera o inverno chegar pra ver", "tão frio que neva", "porque antigamente fazia mais frio". Pelas catástrofes climáticas, é de se esperar invernos cada vez menos rigorosos, realmente não faz mais aquele frio mitológico de tempos atrás, o último que presenciei foi tão fraco que nem precisei implorar por um casaco mais quentinho. Mas, ainda assim, dá pra fazer sofrer quem não está acostumado. Hesitar em ir ao banheiro por causa da água gelada é pra acabar com qualquer dignidade, dormir com pilhas de cobertas, falar fazendo fumacinha, olhos secos e gelados, tudo muito incomodo claro, e mesmo que você tenha a bravura de enfrentar o frio de cabeça erguida, haverão aqueles que empesteiam qualquer ambiente de mau cheiro por não ter tomado banho (há dias).


Pobreza cultural

Um dia, ao ajudar em um trabalho escolar infantil, percebi que não apenas Curitiba, mas o Paraná inteiro não tem identidade cultural, quer ver? Dança típica, Pratos típicos, arquitetura, música...? Não conseguiu chegar a nenhuma resposta?! É porque não tem mesmo. Todo artista curitibano que um dia ficou conhecido, ganhou fama fora do estado ou da cidade porque Curitiba é terra de panelinhas, não apenas na cultura, mas em empregos, rodas de amizade, eventos, grupos de apoio, grupos de ciclistas.

E tudo bem que Curitiba tenha o maior festival de teatro do Brasil, e têm eventos gratuitos a bem dizer toda semana, tem também um "bairro gastronômico", parques e praças tem de monte; mas falando muito sério, nada que seja autêntico, tudo muito apático e importado de outros cantos do Brasil ou do mundo. Até o próprio povo daqui se você perguntar, ninguém vai se dizer brasileiro, todos irão falar que são polacos, alemães, ucranianos, austríacos e por ai vai; até meu sobrenome, Pamplona, virou italiano pra cá, mas que na sua origem é ESPANHOL (tem até uma cidade batizada com este nome na Espanha); aparentemente ser italiano te faz "mais europeu" que ser espanhol. Meu chute é que por ter tanta vergonha se sua brasilidade, o curitibano não conseguiu desapegar de suas raízes europeias """"""superiores"""""" (com muitas aspas mesmo) e culturalmente falando, se tornou apenas uma sombra pálida de seus antepassados estrangeiros.



É muito triste chegar à esta conclusão porque o Curitibano de modo geral é muito bem educado, aliás, a cidade tem um dos menores índices de analfabetismo do Brasil, mas aparentemente a educação se resume a não jogar lixo nas ruas e fazer fila para entrar nos ônibus e não a criar raízes culturais.



E não me interpretem mal, eu frequento as feirinhas e eventos quando posso, mas minha crítica aqui é quanto a falta de identidade própria, não quanto à produção de eventos culturais; e se você quer provas cabais e sentir na pele a apatia cultural, vá ao largo da ordem em época carnavalesca, até eu que não suporto carnaval tive pena.


Curitibanos

Para muitos, esse é O Motivo. Tem gente que acha que as qualidades da cidade não compensam o problema de ter que lidar com curitibanos o tempo todo. Provincianos que agem como se morassem numa cidade de interior, preconceituosos com quem não ostenta um NOME, uma FAMÍLIA, uma ORIGEM ou DINHEIRO.



E falando em dinheiro, quanto mais o nativo o tem, mais chorão ele fica, se alguma coisa custa R$ 10,00 o riquinho metido a negociante da bolsa de valores vai perguntar se tem mais desconto, quantos porcento de desconto ele pode negociar, se já é o preço final, se levando mais tem desconto, se pagando à vista tem mais desconto. Tudo bem, quem não chora não mama, mas lide com 100 clientes como este todo santo dia e logo trabalhar com público vira motivo de raiva e depressão.

É verdade sim, os curitibanos são antipáticos. Você pode passar anos encontrando alguém todos os dias, e ele conseguir te ignorar todo esse tempo. Você faz uma pergunta ou oferece um caloroso "bom dia" e as pessoas não têm o menor pudor de te deixar no vazio. Se você pede uma cadeira vazia na praça de alimentação do shopping, sempre alguém "está pra chegar" e não te dão a cadeira. Eles conseguem ser polidos e até mesmo sorrir de uma maneira tão nojenta que dá de vontade de socá-los.

Não encaram bem algumas verdades, precisando de MUITO eufemismo para maquiar a realidade; o lixo aqui é lixo-que-não-é-lixo por exemplo. Xingamentos podem ser meros adjetivos como gordo, desatento ou devagar, se forno ambiente de trabalho, é caso para se levar à gerência resolver. É claro que o panorama de dez anos atrás para hoje mudou bastante, mas a maioria dos jovens continua ainda idêntica a seus ancestrais no que diz respeito à antipatia e fragilidade.

Um adendo aqui, como farmacêutica já rodada na praça dou o aviso aos recém chegados que pelas terras onde pisei, o PIOR CRF foi o paranaense, que tem sede principal em Curitiba, administrados por curitibanos, claro... E por isso mesmo é o retrato da falta de empatia. Não há telefone para se falar facilmente com uma pessoa física; não há whatsapp para atendimento; cursos e palestras, só no meio da tarde, coisa destinada para quem não trabalha nos horários desumanos da cidade; atendimento presencial? Sonhou né querido! Apenas com agendamento, e adivinhem... somente pela parte da tarde também... ai você tem que fazer malabarismos na sua farmácia para resolver as coisas, e ai de você se o fiscal passar na sua loja sem que você tenha justificado sua doença ou sua ida ao conselho para resolver algo. Protocolos e e-mails levam dias para serem respondidos ou resolvidos... Enfim... Curitibanidades, é o que falei sobre serem tão polidos e sorridentes, mas ao mesmo tempo que dificultam sua vida por pura má vontade mesmo, dai a vontade de socar as caras de alguns.


Apesar da fama de antipático, sempre que um Curitibano decide fazer amizade com alguém, dá para afirmar que será uma conexão verdadeira e perdurará até o final da vida. Sempre que um curitibano decidir te ajudar, é de coração. Falo isto pois nos três piores momentos da minha vida tive curitibanos ao meu lado, me ajudando como ninguém mais poderia ajudar e senti que todo o alento que recebi foi de bom grado, e vindo do fundo do coração. Sou muito grata a todos os curitibanos que passaram pela minha vida, mas aqui continua não sendo meu lugar.


Estes três pontos são detalhes pequenos para muita gente, mas que se juntar tudo, dificultam a vida de quem veio de fora "tentar a vida", seja para trabalhar ou estudar; especialmente se você chegou sozinho na cidade.


Ulisses e Calipso

Lembram que falei que Curitiba te segura como um feitiço idêntico à ilha de Calipso? Então, não quero ficar pois aqui nunca foi meu lugar, mas diferente de Ulisses, não tenho cônjuge, terras ou filhos para onde voltar. Para onde irei? Espero meu "Hermes" chegar e convencer a partida? Ou será que a mensagem de ir embora já foi dada por "Hermes" na forma de curitibanos? Fica ai o questionamento mais comum que existe dentre forasteiros que aqui vivem.

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