Pití S/A


"O Sofrimento do Hipócrita

 

Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpétuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor. O verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se. O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da enormidade. O hipócrita é um titã-anão."

 (Victo Hugo, na obra "os trabalhadores do mar")


A hipocrisia é o ato de fingir ter crenças , virtudes , ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis ambos significando a representação de um ator, atuação, fingimento (no sentido artístico). Essa palavra passou, mais tarde, a designar moralmente pessoas que representam, que fingem comportamentos

A descoberta de que a nossa querida sociedade é hipócrita, é novidade apenas para quem é hipócrita ou muito ingênuo. Observando o fluxo nos locais onde trabalhei e chega a ser patético o modo como o tema "saúde" é tratado e de como simplesmente virou comércio. Em uma mesa de bar ou em fofocas de janela entre vizinhas por exemplo, parece que quanto mais problemas, mais doenças, mais complicações, maior a gravidade...maior o motivo de orgulho, maior a importância do doente em questão, ou seja, tem-se orgulho da doença e não da boa saúde. Com este cenário em mente e aliado com uma pequena experiência em análises clínicas é que chego à conclusão de que muita gente tem plano de saúde apenas para se vangloriar de estar doente e encher o saco...e assim, chamar atenção de quem as rodeia

As atuações são comparáveis as piores categorias de filmes e peças teatrais: antes de entrar na unidade na qual vai receber o atendimento, o "doente" se queixa com dores pouco lógicas, pouco perceptíveis, pouco justificáveis; ao ser atendido, o "doente" faz uma careta de dor e o médico já de saco cheio de "pitizeiros" prescreve qualquer coisa (muitas vezes desnecessárias, como laboratório, raio-x, farmácia, aplicação de um soro qualquer) apenas com a intenção de "satisfazer" a necessidade de atenção do "doente" e logicamente...receber pelo serviço prestado. Caso o médico fuja à esta lógica do sistema e não atende aos desejos de atenção do "doente", logo ganha o título de "médico ruim"; se o atendimento se prolonga por mais tempo que o previsto, rapidamente o "doente" ganha forças a ponto de gritar e xingar o serviço prestado; se o "doente" sair da unidade sem o tal "atestado de doença", é quase como se o chamassem de mentiroso, louco, exagerado e logo coloca-se revoltado diante da situação. Mas se o "doente" consegue seu "atestado de doença", passa a ser mais importante em seu seu círculo social, e não tarda a espalhar a notícia: "passei tão mal ontem que fui parar no hospital".

Ao fim das contas, a regra para a maioria dos atendimentos nos planos de saúde fica: o "doente" finge que está enfermo, o médico finge que diagnostica, ou seja, o usuário de plano paga apenas para ser satisfeito, mesm oquando desnecessário. Aos que sofrem de verdade com algum mal, resta apenas a indignação de enfrentar filas e mais filas de "doentes".



 PS: Apenas como curiosidade, fui atropelado enquanto trafegava de motocicleta e procurei atendimento no maior (porém não melhor) hospital da capital paraense, apesar de chegar sangrando, a ponto de pingar sangue no chão, restou-me apenas esperar sentado até ser atendido, em um canto isolado da sala de espera devido ao nojinho por sangue dos outros usuários, à minha frente na fila de espera estavam uma mulher usando salto alto com o pé supostamente torcido; um rapaz com uma unha encravada e um garotinho que havia caido com o queixo no chão enquanto corria.

Comentários

Postagens mais visitadas