Compaixão



“[…] A compaixão está em oposição a todas as paixões tônicas que aumentam a intensidade do sentimento vital: tem ação depressora. O homem perde poder quando se compadece. Através da perda de força causada pela compaixão o sofrimento acaba por multiplicar-se. O sofrimento torna-se contagioso através da compaixão; sob certas circunstancias pode levar a um total sacrifício da vida e da energia vital... A humanidade ousou denominar a compaixão uma virtude […]”

O anticristo. Nietzsche


"O sentimento que o homem mais dificilmente suporta é a compaixão, sobretudo quando a merece. O ódio é um sentimento tónico, faz viver, inspira a vingança; mas a compaixão mata, enfraquece ainda mais a nossa fraqueza."
A Pele de Onagro. Honoré de Balzac


Então conhecemos um pouquinho de filosofia e já nos tornamos arrogantes e insensíveis...? Compaixão seria de fato um atestado de fraqueza?


Em minha vida tento seguir o caminho da racionalidade, porém, quando a dor e o sofrimento batem hora extra, todos os conhecimentos são inúteis, a lógica é nula e o chão parece desaparecer. Já citei em algum lugar que a dor humana fica mais suportável quando compartilhada (e compreendida); para o bem ou para o mal, socializar faz parte de nossa natureza. "Sofrer junto com" ou "compadecer do próximo" nos remete ao conceito de compaixão. Ter compaixão é a capacidade de compartilhar o sofrimento do outro; não significa necessariamente aprovar ou concordar com suas razões, boas ou más. Ter compaixão é não ter indiferença frente ao sofrimento do outro.

Ao olharmos a história da humanidade, é possível notar o quanto ideias filosóficas e religiosas influenciaram o desenvolvimento dos conceitos sobre compaixão. No Judaísmo (e consequentemente no cristianismo) temos o famoso ditado: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”; além de muitas parábolas como a do "bom samaritano" no novo testamento, que deveriam servir de exemplo de comportamento pelo menos para seguidores desta linha religiosa. Já no Oriente, temos no Budismo, ensinamentos essenciais sobre comportamento e altruísmo. Na filosofia, não raro encontramos conceitos diversos sobre a relação para com o próximo.

Muitos defendem que compaixão não é essencialmente uma virtude, mas um sentimento, e dai, pode vir junto de outros sentimentos como empatia, simpatia, piedade... Há na nossa sociedade uma grande confusão quanto a se compadecer dos outros. Muitos veem como algo bonito chorar nos ombros de outra pessoa; porém, é mais interessante alguém chorar nos ombros de outro se esta pessoa souber ficar em silêncio ou possuir sabedoria suficiente para não entrar na mesma vibração de tristeza da outra pessoa, o que certamente é raro de se ver.

É importante notar que compaixão não se trata em tentar tomar o lugar do outro, isto se chama empatia; uma espécie de capacidade de compreender o outro, ao se imaginar sob as mesmas circunstâncias; é olhar com o olhar do outro, é considerar a possibilidade de uma perspectiva diferente da sua. Ser empático muitas vezes significa deixar o ego de lado, ignorar nossos próprios preconceitos e julgamentos na tentativa de se por no lugar do outro. Vale frisar que sentimentos de piedade e tristeza pelo infortúnio de outra pessoa não são compaixão e nem empatia, isto é ser simpático.

Por que quis inserir os conceitos de empatia e simpatia? Pois Compaixão sem a sabedoria da empatia, é altamente prejudicial tanto para quem tenta ajudar quanto para o alvo do compadecimento. Ter pena de alguém é o mesmo que olhar de cima para baixo; é agravar o sentimento de impotência do enfermo ante sua dor e seus semelhantes. Há a chance ainda de se "contaminar" de tristeza e sofrimento. Ainda sem sabedoria para ajudar corretamente, muitas ações motivadas pela pena não são direcionadas para a resolução do problema base, motivo do compadecimento. A maioria destas ações apenas anestesia momentaneamente a agonia e a dor, como um paliativo, sem perceber que estas ações momentâneas e imediatistas causam enfraquecimento. É a velha história da borboleta saindo do casulo: Se você compadecer-se com a sua dificuldade ao romper o casulo e ajudá-la, ela jamais voará. Pois o esforço que ela empreende ao romper seu claustro é imperativo para o fortalecimento de suas asas.

Na maioria das vezes nos falta consciência sobre que tipo de ações deveriam ser tomadas quando nos compadecemos sobre algo. O conhecimento empírico dos antigos já alertava: "Ensinar a pescar, mas jamais dar o peixe".

Para que possamos ajudar verdadeiramente outra pessoa no que quer que seja, precisamos antes de mais nada estar bem e equilibrados; com empatia suficientemente desenvolvida. Como diria o Zaratustra de Nietzsche, para receber um rio poluído, é necessário ser um oceano límpido para não se contaminar. Este é o único caminho…

A maior lição repassada pelo novo testamento talvez tenha sido o amor incondicional ao próximo; um amor tão grande que valeria mais que a própria vida, tão grande que como conta a história, Jesus se sacrificou por amor a humanidade. Nietzsche a exemplo afirmava que tal amor é quase impossível e por isso, sua célebre frase de que o único verdadeiro cristão teria morrido na cruz. Não à toa que muitos filósofos modernos afirmam com muita propriedade que a maior dificuldade do cristianismo hoje é ser pregado (e praticado) para quem já é cristão... Ou você acha normal e saudável as várias políticas excludentes pregadas pelas igrejas; o individualismo exacerbado de muitos grupos ou ainda o narcisismo exagerado de alguns crentes?

Enfim, agradeço pelos amigos verdadeiros e maravilhosos presentes em minha vida; através da amizade pude compreender o verdadeiro significado e a real importância da compaixão. Podemos realmente não ter a força de cristo, mas não deveríamos deixar de tentar seguir seu exemplo; tudo claro, buscando sabedoria.


(...) Quem sofre sozinho, sofre muito mais em sua mente (espírito). Deixa para trás a liberdade e a alegria. Mas a mente (espírito) com muito sofrimento pode superar-se, Quando a dor tem amigos e suportam a sua companhia, quão leve e suportável a minha dor parece agora. (...)


Rei Lear, William Shakespeare 

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