A frescura dos melancólicos




“Portanto nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor.” I Coríntios 4:5



Para quem entrou neste blog por causa do título desta postagem... apenas lamento... Não será aqui que encontrarão reforços à intolerância e desinformação...

Hansenianos contemporâneos de Jesus eram tidos como malditos e pecadores, como vítimas do castigo divino. As mulheres eram (e ainda são) consideradas inferiores devido ao castigo imposto a Eva. Homossexuais sofreram com o castigo divino do "câncer gay" na década de 80. Uma criança albina nasce em um povoado afrodescendentes e logo vem o tal castigo pois é considerada uma espécie de demônio. Um maremoto atinge o Japão e mais uma vez o castigo divino pois têm crenças diferentes. O que estas situações tem em comum? Ignorância e fanatismo de mãos dadas. Mas não percamos tempo discutindo  mentes pequenas; falo agora da doença em foco, depressão; digo em foco e não "modinha", pois existe a eras, os gregos por exemplo a chamavam de melancolia. Errar é humano, tenho certeza que muitos de nós já ouvimos ou falamos este jargão, porém chega a ser interessante como incansavelmente repetimos erros passados, em especial aqueles que vem misturados com falta de emparia e ignorância.

Nunca fui (e talvez nunca serei) tão religioso, mas após muitos anos trabalhando na área da saúde, posso afirmar categoricamente que a fé religiosa interfere positivamente na capacidade de recuperação de um doente. Existem até pessoas que atribuem à sua fé religiosa seu estado de saúde plena. Sem dúvida, esta fé é um recurso transformador da mente, porém, sem discernimento e pensamento crítico ela deságua inevitavelmente no fanatismo e no preconceito, o que é sempre pernicioso. Riquezas espirituais são bem diferentes de riquezas físicas, por isso, bênçãos divinas não deveriam ser medidas pelo sucesso financeiro ou pelo vigor físico de um indivíduo; e tenho certeza que alguém vai fazer um malabarismo aqui para justificar o deus utilitarista e materialista das grandes igrejas... Bem, com fascistas não dá pra dialogar, infelizmente.


Recentemente cheguei ao fundo do poço com palavras insensatas ditas por alguém em quem depositava todas minhas forças e esperanças. Entre os adjetivos, triste o tempo todo e sem vontade de ser feliz, tudo por opção minha, claro. Como farmacêutico, vejo muitos casos com muita similaridade ao que acabei de descrever acima; casos de depressão sendo tratados com leviandade, muitas vezes amigos e parentes do doente são fontes que mais prejudicam do que ajudam o tratamento, pois constantemente são adeptos da falácia do "basta querer que dá". A questão que levanto agora é: Será que apenas o otimismo, o pensamento positivo, a boa vontade, ou a fé em Deus são suficientes para que tenhamos saúde e felicidade? Será que aquelas historinhas de cinema e livros de autoajuda são verdadeiras e estar de bem com o mundo é questão de apenas acreditar que tudo dá certo?


O ignorante precipitado muitas vezes julga o doente sem saber dos  mecanismos de sua doença, que muitas vezes é expressão de anomalia física e não de anomalia de caráter. Assim como o diabetes traduz uma deficiência de insulina, a depressão reflete déficit de neurotransmissores no cérebro. Ainda assim é assustador quando até pessoas mais esclarecidas afirmam que depressão é falta de Deus no coração ou vontade de ser alegre como se se tratasse de uma questão de escolha. É lastimável... O resultado desta linha de pensamento? Um retardo no diagnóstico, prolongamento do sofrimento do deprimido e sabotagem de seu tratamento. Essa visão se transfere ao doente e ele sente-se ainda pior; considera-se fraco e incapaz.





Neurotransmissores e estados de humor



Você diria a alguém com qualquer outra doença para apenas orar fervorosamente, com muita fé e muito positivismo, e largar qualquer tratamento médico? Você acusaria os pais desta pessoa que a culpa é deles e que eles deveriam ter criado essa pessoa para ter mais fé ou mais otimismo ou ainda, mais vontade de ser feliz? Será que você põe a culpa e a responsabilidade na própria pessoa quando ela tem outro tipo de problema de saúde? Será que você diz às outras pessoas com qualquer outra condição médica para não tomar os seus medicamentos?


Pois é, a maioria das pessoas não é louca à ponto de fazer isso. Acho que a maioria das pessoas iria aproximar-se com o mínimo de compaixão, pois suponho que entendam que estas circunstâncias que levam a um adoecimento estão fora de controle.


Com a depressão é exatamente o mesmo. É uma condição médica completamente fora do controle da pessoa que a sofre, e as pessoas que lidam com ela devem ser apoiadas da mesma forma como qualquer outra pessoa com qualquer outra condição médica e não rotuladas como tristes por opção ou de má vontade com a felicidade.


A premissa que depressão é falta do que fazer, falta de Deus, chilique, frescura… é desinformada e cruel; e apenas aprofunda o problema, que aliás, pode levar ao suicídio. Apenas a nível de curiosidade e já deixando uma pedra em cima deste misticismo que depressão é falta de religião ou crença, vários estudos e estatísticas da OMS mostram que a depressão é uma doença muito democrática e livre de credos, pois não há diferenças significativas entre ateus e teístas quanto a incidência da doença.


É óbvio que quem é religioso tem uma ajuda extra, pois o simples fato de acreditar que você nunca está sozinho e que alguém está lutando por você já faz uma diferença muito gritante durante o tratamento; a busca pela espiritualidade nunca deve ser menosprezada, a menos, é claro, que seja desenfreada e sem questionamentos críticos, do contrário torna-se seita com requintes de fanatismo e acaba perpetuando preconceitos como os descritos acima. Como diria um conhecido meu, a melhor coisa para quem busca uma espiritualidade plena é poder se tornar mais humano, ter mais amor, mais compaixão e se despir sinceramente e humildemente diante de Deus (e ainda acalmando o ego durante o processo); o que vai de contra com muitas seitas e religiões que infelizmente tornam as pessoas mais narcisistas e materialistas.

Quando sai da religião, foi porque cheguei a conclusão de que a realidade simplesmente não bate com o que cada religião nos tenta fazer acreditar, ficou um grande vazio dentro de mim (é... apenas mais um dos muitos vazios). Desacreditar em religiões não foi questão de escolha, mas de consequência; um dia, tudo o que me foi repassado por tios, avós, professores e etc virou dogma sem sentido. Hoje vivo a filosofia de que a crença une e a religião separa... Para ser mais franco ao menos comigo mesmo, ao invés de condenar à tudo; decidi por hora abominar fanatismos, obediência cega e falta de questionamentos, por sinal, bem abundantes nos religiosos mais fundamentalistas. 

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