À la Blasé
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Estava acompanhando um podcast sobre filosofia com a ilustríssima Lúcia Helena Galvão da nova acrópole, aliás, deixo aqui minha recomendação, vale muito a pena ouvir o que esta mulher tem a dizer. Em algum momento, o entrevistador faz um comentário sobre pessoas impulsivas e explosivas em momentos de grandes emoções e pede a opinião da Lúcia Helena e ela brilhantemente nos diz: "Perder o controle e virar fera é muito fácil, quero ver é se tornar o animal mais raro que existe que é o homo sapiens e manter o controle" e nossa...
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Ela nos fala em seguida a mesmíssima coisa que Carl Sagan já falava lá pelos anos 80, que muitos de nós acredita ser sábio e evoluído apenas por já ter nascido humano e não por esforço ou merecimento, é tanta arrogância que um suposto Deus morreria de vergonha de tal sentimento e teria ido embora. Lúcia nos fala então sobre comportamentos pra lá de primitivos, irracionais e autodestrutivos, nada esperado de seres "sábios e evoluídos". Ela também nos fala sobre evoluir como pessoa e espécie e deixa o questionamento: “será que a humanidade está mesmo evoluindo?"
Pois é…
Em contra partida a isso, estava conversando com uma colega trans, assim como eu, porém, com metade da minha idade. Ela me pergunta sobre relacionamento, respondo o que tenho que responder e ela responde a parte dela. Escuto sobre relacionamentos à distância, relacionamentos abertos, muito sexo casual (mas MUITO mesmo); por vezes, mais de duas pessoas habitavam o coração desta conhecida e sinceramente, não duvidaria que mais de uma pessoa também possuísse seu corpo simultaneamente.
Penso com meus botões, uau! Quanta facilidade existe hoje. Tantas aventuras, tantos conhecidos, tantos parceiros e parceiras, e tantas relações. Apesar de "ser livre" e fazer o que quer, aproveitando todas as possibilidades ,esta menina é triste, muito triste na verdade. Assim como muitos transgêneros, ela também é atormentada com vozes que no meio da noite dizem que não vale a pena viver, que nada faz sentido para continuar por aqui. Assim como eu, ela também é solitária emocionalmente, mas por razões bem diferentes. Existe um grande buraco afetivo em seu peito, afinal, como não poderia haver? Uma vez que ela sempre se faz e sempre é vista como objeto de satisfação carnal para brincarem com ela, e qual criança eventualmente não se enjoa de seu brinquedo, abandonando-o para ficar no colo se sua mãe? E nada contra querer ser um objeto dependendo da relação, mas convenhamos que sempre, todo dia e pra todo mundo é um tanto de apagamento afetivo.
A impressão que tenho conversando com esta colega e com diversas outras pessoas, seja no mundo real ou virtual é de que a vida on-line nos dá a sensação de que todos estão acessíveis, a um toque de distância. Amigos virtuais aos montes, você escolhe, quem e qual parte sua mostrar. Os contatos são vários. Tudo e todos estão tão "próximos", que esse mar de opções nos dá a falsa impressão que o melhor sempre estará por vir. Que talvez nem valha tanto a pena se esforçar por um único vínculo, já que as alternativas parecem nunca ter fim. Então, os relacionamentos se tornam efêmeros. Feitos de um papel tão fino que se desmancha ao primeiro sinal de umidade. Assim, muitos passam a viver constantemente no futuro. Um futuro que nunca chega. E de futuro em futuro deixam de viver o presente. As horas passam, as pessoas passam e as oportunidades também. E assim a vida passa e ainda te mostra a língua e o dedo do meio.
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Frágil e efêmero |
É angustiante, mas constato novamente que cada vez mais e mais pessoas agem como descrito acima, com essa displicência e frieza de quem está falsamente protegido pela facilidade de "trocar" um relacionamento por outro "mais selvagem". Que dando de ombros, demonstram ser totalmente reativos, incapazes de racionalizar e usam como justificativa para seus atos primitivos, a tola e inconsistente desculpa de que estão apenas “dando o troco”, seguindo a "trend" do momento, fazendo o que todo mundo faz, se enturmando.
Muito pior que ser "Maria vai com as outras", é querer se diferenciar se denegrindo, tem que ser bifestinha porque é descolado "pra galera", tem que fazer menàge porque se diferencia dos demais, tem que sair e beber até quase ficar inconsciente pra não parecer careta; usar drogas cada vez mais fortes apenas para se integrar à uma legião de adictos; também vale tudo para se diferenciar, inclusive fazer o que não gosta, o que não quer. Prazer, prazer, prazer... e somente... prazer, tudo tem que girar em torno de prazer. Como diria o filósofo do bigode, puro comportamento de manada.
- O diálogo sumiu.
- O carinho gratuito ficou piegas.
- A reciprocidade virou artigo raro.
- E a gente assiste a lutas, batalhas burras onde quem ignorar por mais tempo vence.
- Parece que vivemos uma triste epidemia de preguiça e estupidez emocional, que resulta em seres que querem tudo e nada ao mesmo tempo.
São seres que apesar de estarem em um corpo, seguindo suas rotinas diárias, já não vivem. Apenas sobrevivem. Andam cambaleantes pela vida, sempre necessitados de algo ou alguém. Se movimentam sem muito pensar e mudam de foco cada vez que alguém balança algo mais brilhante no seu campo de visão, são sempre interesseiros sem nada a oferecer.
Verdadeiros vampiros que apenas desejam "sugar" tudo o que for possível enquanto for possível. Pessoas que te chamam pra sair mas não tem rostos, não têm personalidade; caráter? Passou longe e nem acenou. "Low profiles" se dizem, mas na prática são medrosos de se mostrarem, se é que tem o que mostrar. São indefinidos e indecisos, assim, podem se moldar temporariamente para qualquer fetiche.
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Enquanto a medicina e tecnologia avançam a passos largos, a sensibilidade, empatia e senso comum parecem fazer o movimento inverso.
A humanidade está vivendo um período histórico, onde nunca se viu tanta gente desinteressada e desinteressante. Gente rasa, artificial, apática. Uma palavra define essas pessoas: blasé. São o retrato da pobreza e escassez emocional, fruto da mesquinharia das demonstrações. Gente que no virtual é algo que não se materializa no mundo real.
Vivemos numa fase em que talvez demonstrar demais seja sinal de carência e que ser durão... Isso sim é ser forte. Que ser intenso e integro é aparentemente errado e deslocado, exagerado e bobo, ultrapassado. E que ser romântico e gentil é ridículo e sentimental demais.
Assim como minha nova conhecida, um mar de gente também quer amores suspirantes, vidas emocionantes, mas mostram total incapacidade de se doar assim que a oportunidade chega. Querem viver tudo, ter tudo, ser tudo mas na hora de botar a mão na massa o status muda, não estão mais dispostas.
Talvez, nem se quisessem construir uma relação valorosa conseguiriam, afinal, isso demanda tempo, demanda mostrar sua fragilidade ao outro, é preciso coragem para apostar em um relacionamento duradouro, é preciso audácia para fazer diferente do rebanho. Infelizmente testemunhamos uma geração de gente inútil, até para amar.
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Nunca se teve tanta informação na palma de nossas mãos, mas também nunca se viu tanta gente carente e sem noção do que é se relacionar.
Então, voltemos ao questionamento deixado pela Prof.ª Lúcia Helena Galvão: Somos mesmo uma raça inteligente em constante evolução se ainda não sabemos ainda lidar com nossas próprias emoções?
Se não sabemos mais ouvir o outro? Se não sabemos mais conviver, partilhar, amar genuinamente?
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