Relações abusivas II - Anatomia e fuga

 


Relações abusivas, quem nunca não é?! Na publicação passada escrevi um pouquinho sobre como entramos em uma relação abusiva e qual nossa culpa no cartório por elas. Hoje, irei mostrar "por dentro" o dia-a-dia de uma relação abusiva, as torturas psicológicas, as consequências e claro, como fugir de seu abusador.

Acredito cegamente na frase do Arly Cravo que "quando o poder entra por uma porta, o amor sai pela outra", e o que caracteriza uma relação de abuso senão a vontade de poder sobre o outro, sobrepujar o que há neste outro?

Acontece que muitas vezes os atropelamentos do espaço alheio se dão de formas pra lá de sutis, as vezes disfarçadas de comentários ligeiramente maldosos ou indiretos, mas estes são proferidos com frequência. De tão disfarçados, quem está no papel de vítima muitas vezes nem consegue decidir se aquele ou este comentário realmente foram maldosos e intencionais. Pois é, leva tempo para assimilar o comportamento do agressor à violência.

As vezes, tais atropelamentos de respeito alheio são descarados e qualquer pessoa pode perceber as intenções pouco inocentes do agressor, bem como o semblante e a postura de derrota da vítima. Ainda assim, o agressor se esconde atrás de justificativas. Admite estar somente sendo “sincero” ou afirma que a vítima mereceu aquele tratamento porque fez algo que desagradasse o agressor. Quem nunca sofreu agressões por conta de ciúmes alheios, por exemplo? Ciúme sendo um sentimento de pura insegurança de quem sente, mas que constantemente a culpa é da vítima por provocar ciúme?



Apesar de quase sempre serem jogadas para de baixo do tapete, agressões são muito bem mapeadas. Aqui irei me ater em agressões psicológicas pois as físicas são MUITO ÓBVIAS e não deveriam causar dúvidas na cabeça da vítima, é o sinal máximo para se afastar e dar de presente sua ausência para quem lhe agrediu fisicamente. Já as agressões psicológicas evoluem aos poucos, mas acontecem diariamente. 


Tipos


Humilhações

Comentários que, inicialmente, são pouco ofensivos. “Você não é muito bom com isso, né?” mas que aos poucos se transformam em “Você não é muito inteligente, né?” para, enfim, chegar a “Você é muito burro!”.

A saúde mental de quem é alvo dessa conduta é minada diariamente. As humilhações podem ser feitas tanto em público quanto em um ambiente íntimo. E tem ainda mais, não raramente o agressor procura conhecer e atacar os pontos fragilizados da vítima, ferindo-a onde dói mais. 


Chantagem emocional

Consiste em atitudes para tentar inverter a culpa de uma situação ou conseguir algo da vítima. Inclui ameaças de causar sofrimento emocional, em especial culpa e remorso; rejeição ou punição futura, a menos é claro, que a pessoa atenda às demandas do manipulador. Tão prejudicial quanto outras formas de abuso. 


Perseguição sistemática

Há agressores psicológicos que não desistem até conseguirem o que desejam. Humilhar, xingar e constranger a vítima, é quase como se fosse um alimento para o ego.

O agressor pode perseguir a vítima para obter a sensação de superioridade que tanto deseja. Faz comentários hostis e a ridiculariza na frente de amigos, colegas de trabalho e familiares na tentativa de manchar sua imagem.


Distorção da realidade

Distorce a palavra da vítima para que sua concepção de realidade fique confusa, também estimula a duvidar de sua capacidade de interpretação e acreditar unicamente nas palavras do agressor. Essa tática também é conhecida como "gaslighting" (referindo-se a um filme de mesmo nome).

As palavras da vítima também podem ser distorcidas para quem estiver ao redor. Dessa forma, o agressor se consolida na posição de detentor da verdade. 


Ridicularização 

Quem comete a agressão psicológica não deixa nada passar. Criticas e deboches sobre personalidade, modo de falar, roupas, as escolhas, opiniões, crenças religiosas e até a família da vítima constantemente. Tem como finalidade baixar a autoestima da vítima.


Restrição da liberdade de expressão

A vítima é privada de expressar-se abertamente porque suas opiniões são consideradas “impróprias” ... e adivinhem só, geralmente ocorre ridicularização do que foi dito. Com o tempo, a vítima sente que não possui permissão para ser quem é e passa a seguir as "regras" impostas pelo agressor.


Isolamento

Sabe aquele seu amigo que te puxa para fora do ciclo abusivo? Então, rapidamente ele passará a ser uma "má companhia" e não faltarão xingamentos e justificativas, o mesmo pode vir a ocorrer com familiares e até colegas de trabalho. No final da conta, a vítima estará isolada com poucos recursos para "acordar" do torpor do abusador.


Consequências


As constantes humilhações fazem a vítima duvidar de si mesma e estes questionamentos incitam pensamentos mais negativos que conta bancária de classe média, além de autodepreciativos também. Com o tempo, a vítima passa a desgostar de si mesma. Acontece que esse é justamente o objetivo do agressor. Quando a vítima está com a autoestima baixa, cai muito mais facilmente em suas armadilhas. Como um bichinho de estimação obediente, ela já foi adestrada.


 

Depois de perfeitamente adestrada, a vítima pode apresentar:

Sentimento constante de infelicidade; paranoia; medo excessivo; esgotamento psicológico e emocional; comportamento defensivo; falta de confiança; dificuldade para se expressar; isolamento social; crise de choro; conduta retraída; irritabilidade; insônia; sintomas psicossomáticos, como alergias de pele, gastrite e enxaqueca.



Há quem utilize o termo "tortura psicológica" para todo este ciclo, podendo até mesmo configurar crime. Segundo a OMS, uma das definições de tortura seria:

Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.


Como sair disso?


Se identificou com alguma das etapas ou violências em uma das postagens? Lamento muitíssimo mesmo, não desejaria para ninguém ter relacionamentos abusivos, MAS a primeira coisa a se saber é que há luz no fim do túnel, mas haverá um preço a ser pago e muito aprendizado também.

1. Aceite que você pegou o ônibus errado e entrou "sem querer" em uma relação ruim, abusiva e tóxica e nem de longe vive uma relação saudável. Quanto mais rápido aceitar e descer do ônibus tóxico, mais perto fica de voltar onde se estava;

2. Dependendo da fase do relacionamento, será necessário quebrar muitos dogmas, o mais importante é decidir que ninguém, em especial você próprio merece passar por este sofrimento;

3. Corte todo e qualquer contato com seu abusador, é o famoso "contato zero". Mesmo distante fisicamente o seu abusador ainda saberá quais feridas cutucar e quais palavras usar para te levar de volta ao ciclo de abuso. Ou seja, nada de redes sociais, telefone, shows públicos, etc. Esse período de afastamento vai te ajudar a se recuperar e pensar com muito mais clareza, sem as influências do indivíduo hostil.


pedra cinza "interessantíssima"

Se não for possível o afastamento ou o contato zero, existe o método "pedra cinza". Funciona assim, você fica desinteressante igual a uma pedra cinza, onde a maioria da pessoas olha e já desvia a atenção. É extremamente difícil, requer não demonstrar emoções, não contar segredos, não ceder limites, não discutir com o agressor, não se envolver emocionalmente, não baixar a guarda da autoestima e por ai vai, acho que deu para entender;

4. Busque ajuda de amigos e familiares, mesmo depois das etapas de distanciamento, ainda haverão sim, ombros amigos e mãos estendidas para ajudar a te tirar do buraco que é uma relação tóxica;

5. Trabalhe seu autoconhecimento, reconheça seu valor, reacenda seus planos e sua autoestima. Devemos nos lembrar que antes do relacionamento com fulano, havia um "EU livre". O autoconhecimento é o melhor remédio no combate das humilhações e xingamentos proferidos pelo abusador, os quais podem permanecer em seu inconsciente por um longo período (e põe longo nisso);

6. Está difícil mesmo com ajuda da família e amigos? Busque ajuda profissional. A psicoterapia ajuda as vítimas que se encontram presas a relacionamentos abusivos ou que não conseguem cortar definitivamente o vínculo com o agressor e reconstruir sua autonomia. Assim como pessoas doentes fisicamente buscam ajuda médica para se curarem, quem está com a saúde mental deteriorada precisa buscar ajuda também.


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