O coração enjaulado



Dia desses estava falando sobre uma espécie de desabrochar me utilizando de alguns textos de Khalil Gibran (Primavera da alma) e por coincidência, chega à mim mais um um texto de Khalil, que aliás, complementa BEM ATÉ DEMAIS o tema da solidão imposta e do isolamento trans. Aqui irei transcrever um pouco:


"Ali, no meio do campo, ao lado de um riacho cristalino, vi uma gaiola cujas grades e dobradiças eram moldadas pelas mãos de um perito. Em um canto havia um pássaro morto, e no outro, duas vasilhas - uma de água, que estava vazia, e outra de sementes.

Fiquei parado, reverente, como se o pássaro sem vida e o murmúrio da água fossem dignos de profundo silêncio e respeito - algo digno de exame e meditação pelo coração e pela consciência.

Enquanto a visão e o pensamento me absorviam, descobri que a pobre criatura havia morrido de sede ao lado de um curso d'água e de fome no meio de um campo rico, um berço de vida. Era como um homem rico trancado dentro de seu cofre de ferro, perecendo de fome no meio de montes de ouro.

Diante de meus olhos, vi a gaiola repentinamente se transformar em um esqueleto humano, e o pássaro morto, em um coração humano, que sangrava de uma ferida profunda, parecida com os lábios de uma mulher triste.

Uma voz saiu daquela ferida e disse:

- Eu sou o coração humano prisioneiro da substância e vítima da vida, fui aprisionado na jaula das leis feitas pela humanidade. No centro da bela criação, morri negligenciado, porque fui impedido de desfrutar da liberdade que a generosidade de Deus traz. Tudo de beleza que desperta meu amor e desejo é uma vergonha, segundo as concepções humanas. Tudo de bondade que eu anseio não é mais que nada, segundo esse julgamento. Eu sou o coração humano perdido, aprisionado na imundice dos ditames humanos, atado com correntes de autoridade terrena, morto e esquecido pela humanidade que ri, cuja língua está amarrada e cujos olhos estão vazios de lágrimas visíveis.

Todas essas palavras eu ouvi, e as vi emergindo junto com um fluxo de sangue cada vez mais ralo daquele coração ferido.

Mais foi dito, mas meus olhos embaçados e minha alma chorosa impediram-me a visão e a audição."


Bem, é isso, nosso coração pode morrer de fome rodeado de amores e afetos negados ou não compartilhados, a essência deste coração se esvai junto. Todavia, já abusando do ilustríssimo Gibran, irei me utilizar de mais um texto dele:


"...Se eu te escondesse em meu coração,
Não seria difícil encontrar-te.

Mas, se te escondes atrás
de tua própria concha,
seria inútil
que alguém te procurasse."

Khalil Gibran

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