O leão e o dragão
''Mas no deserto mais remoto sucede a segunda transformação: ali o espírito se transforma em leão; quer capturar a liberdade e ser senhor em seu próprio deserto. Aqui ele busca seu último senhor: quer ser hostil para que esse seja seu último Deus, e para conseguir a vitória lutará contra o grande dragão.
O que é o grande dragão que o espírito já não está mais inclinado a chamar de senhor ou de Deus? ''Tu deves'' chama-se o grande dragão. Mas o espírito do leão diz ''eu quero!''. ''Tu deves'' está em teu caminho, cintilando como ouro - como um animal coberto de escamas e que em cada escama brilha o ouro, ''Tu deves''.
Valores milenares brilham nessas escamas e assim fala o mais poderoso dos dragões: ''O valor de todas as coisas - reluz em mim. Todo o valor já estava criado, e o valor de todas as coisas - sou eu. Em verdade, não haverá mais um ''eu quero!''' Assim fala o dragão.
Meus irmãos, por que o leão é necessário ao espírito? Não é suficiente a besta de carga que renuncia e é reverente? Criar novos valores - mesmo o leão não é capaz disso; mas criar para si a liberdade de novas criações - isso a força do leão pode fazer. Para criar para si mesmo a liberdade e dar um sagrado Não até mesmo ao dever, meus irmãos, precisa-se do leão.
Assumir o direito de novos valores - é o mais formidável dos pressupostos, para a suportação e a reverência de um espírito. Em verdade, isto é um ato de rapinagem próprio de um animal de rapina.
Outrora ele amou o ''Tu deves'' como sua coisa mais sagrada: agora ele deve encontrar ilusão e arbitrariedade até mesmo no mais sagrado, ainda que precise capturar a liberdade de seu amor: o leão é necessário para esta captura.''
Assim falou Zaratustra
Nietzsche
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