Um pouco sobre: prazer trans, Tirésias e poder único

 


O que tem de pessoas CURIOSAS me perguntando como é nascer em um gênero e atuar em outro não está escrito viu. Decidi escrever sobre isso para tentar colocar em palavras um pouco sobre sensações e emoções, em especial no momento de uma relação sexual, que é onde as pessoas mais tem dúvidas duvidosas.

Para isso, irei fazer analogias e me utilizar de duas obras pouco conhecidas no Brasil, O mito grego de Tirésias e o sistema de magias da série de livros roda do tempo, idealizado por Robert Jordan.

Não sou régua para nada, ainda mais para relatar sensações e emoções. Também, diferente de muitos outros "um pouco sobre" deste blog, desta vez não trago nenhuma referência literária ou científica, apenas uma opinião bem pessoal.


O mito de Tirésias


Ulysses invocando o espectro de Tirésias

O mito grego de Tirésias muito provavelmente é um dos que tem mais versões, há quem diga que existam mais de quinze espalhadas por ai. Antes de mais nada, Tirésias é famoso na mitologia grega por suas profecias, na Odisseia de Homero por exemplo, Ulisses acaba por invocar um espectro deste profeta de modo a obter alguns conselhos. Acontece que pouca gente conhece os eventos que antecederam esse episódio. Assim, vamos olhar um resumo do mito:

Em uma das versões mais conhecidas, o pobre Tirésias estava caminhando pelos campos quando viu duas serpentes acasalando. Ele quis separá-las e deu-lhes um golpe forte, mas acabou levando a cobra fêmea à morte. Tal ação enfureceu Hera (que não tinha nada de interessante para fazer e estava observando as cobras), que decidiu transformar o seu perpetrador em mulher para que este soubesse como as mulheres sofrem. A partir daqui, são diversas as versões do mito, com algumas afirmando que Tirésias se tornou uma famosa prostituta, enquanto que outras a referem como uma sacerdotisa de Hera.



Fato é que Tirésias passou SETE anos vivendo como mulher e um dia, caminhando no bosque... se deparou com outro casal de serpentes (que também estava sendo observado pela desocupada Hera), já sabendo da consequência de seus atos, Tirésias ceifou a vida da serpente macho desta vez e voltou ao seu gênero de origem. Outras versões do mito referem que, no segundo encontro, ambas as serpentes foram deixadas em paz, o que mostraria um certo arrependimento e aprendizado. Enfim, Tirésias voltara a ser homem.



Mais tarde, Zeus e Hera tiveram uma curiosa e energética discussão: "Qual dos dois sexos teria mais prazer durante o ato sexual". Hera mostrava-se simpatizante pelo lado masculino, enquanto que Zeus referia o sexo feminino como o mais feliz nessa questão, lembraram então do único ser capaz de responder a esta questão, como Tirésias havia tido os dois sexos, os deuses o chamaram para consultá-lo e acabar com a polêmica.


Tirésias então proferiu:

"Das dez partes do prazer, as mulheres têm nove e o homem apenas uma"


Ou seja, Tirésias deu razão à Zeus. Isso enfureceu Hera, que se sentiu envergonhada e humilhada diante de seu marido. Hera então castigou o mortal tirando-lhe a visão. Zeus, compadecido, mas sem condições de repreender a ira de sua esposa, outorgou o dom da adivinhação para Tirésias, inclusive mesmo depois da morte, por isso Ulysses conseguiu invocar um espectro de Tirésias, já morto eras antes (nem depois de morto pode descansar não é?!).


Dualidade de gênero


Em outra obra, bem mais contemporânea, Robert Jordan na série de livros "roda do tempo" nos apresenta seu sistema mágico onde existem pessoas capazes de canalizar (fazer mágica), estas pessoas são capazes de "tocar" uma fonte de poder e com ela realizar seus "truques". A fonte, apesar de ser apenas uma, é acessada de maneira diferente por homens e mulheres (as mulheres que tocam a fonte são conhecidas como Aes Sedai), como nos explica uma das personagens:


Moiraine Darmodred

"O Poder Único vem da Verdadeira Fonte, a força motriz da criação, a força que o Criador fez para girar a Roda do Tempo. Saidin, a metade masculina da Verdadeira Fonte, e saidar, a metade feminina, trabalham uma contra a outra e, ao mesmo tempo, juntas para fornecer essa força...

A Verdadeira Fonte não pode ser usada, assim como o rio não pode ser usado pela roda do moinho. A Fonte é o rio; a Aes Sedai, a roda d'água."

   — Moiraine Damodred


Em um dos momentos da obra descobrimos que o conhecimento de como manejar o lado masculino da fonte se perdeu entre as eras. Acontece que um dos protagonistas descobre ter a habilidade de tocar o lado masculino da fonte e este pede ajuda para a Aes sedai Moiraine para aprender a utilizar a fonte da melhor maneira possível. Moiraine então responde:


"Um peixe não pode ensinar um pássaro a nadar e um pássaro não pode ensinar um peixe a voar"

— Moiraine Damodred


Ou seja, Moiraine como mulher não poderia ajudar um homem a utilizar o lado masculino da fonte. E aqui voltamos ao desafortunado profeta grego. 

Tirésias transitou pelos mundos masculino e feminino; era, em sua essência, a representação da dualidade masculino/feminino de uma parcela da humanidade. Tirésias se adaptou conscientemente à sua nova condição, ora uma prostituta famosa, ora um profeta renomado.

Posteriormente na obra de Jordan, alguém rebate o que parecia certo quanto ao dilema do peixe e do pássaro:


"Distante dos olhos, no mar das tormentas, existem pássaros que mergulham e peixes que sabem voar"

— Verin Mathwin


E assim são transgêneros, pássaros que podem nadar e mergulhar, ou peixes que aprenderam a voar.


Zeus e Hera


Como sendo parte da população que transitou mais de uma vez entre os gêneros, assim como Tirésias, irei adicionar meus dois centavos na discussão entre Zeus e Hera sobre prazer masculino e feminino. Que fique claro que não régua para nada, pois cada um é cada um e sabe do que gosta ou do que sente, mas ainda assim gostaria de deixar estes dois centavos. 

Minha percepção sobre prazer sexual é como no manejo do poder único a fim de canalizar. Canalizadores masculinos acessam saidin enquanto canalizadoras femininas acessam saidar

Saidin é caracterizado por ser tempestuoso e furioso; um canalizador masculino deve agarrar a fonte e lutar para restringir e dominar o poder. E é EXATAMENTE assim que me senti todas as vezes que precisei atuar como a parte masculina na hora do sexo. Sim, caras leitoras, para um homem, é uma luta incessante para não se deixar levar pelo prazer a ponto de deixar escapar "sua fonte" e assim, se tornar incapaz de continuar canalizando. rsrs 

Saidar é caracterizado por ser tranquilo e fluente; uma canalizadora feminina deve se mentalizar como sendo uma flor desabrochando e expondo seu intimo para logo a seguir deixar a fonte "adentrar" seu corpo, a canalizadora abraça a fonte e guia gentilmente o poder. Pouca gente imagina, mas algumas mulheres trans conseguem atingir o orgasmo sem nenhuma penetração (e que fique claro, nenhum toque nos genitais também) e aqui fica também o sentimento de minha experiência trans. Entregar-se e sentir-se como uma flor desabrochando é como descreveria atuar como a parte feminina na hora de uma relação sexual.

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