Veronika decide morrer: A auto aceitação te liberta
Sabem quando algo realmente surpreendente acontece? Então, um dia no trabalho soube de um livro que foi lido por cinco pessoas, isso mesmo, em um Brasil dogmático, polarizado, obscurantista e semi-analfabeto, CINCO colegas de trabalho leram o mesmo livro e estavam conversando sobre o tema durante os raros momentos de descontração. Dentre os temas discutidos: Depressão, loucura, suicídio, esquizofrenia... Caracas, tudo muito legal!
Logo fui procurar o livro-origem e descobri que se tratava de um livro do Paulo Coelho, Veronika decide morrer. Na juventude cheguei a ler o alquimista (gostei bastante por sinal) e as valquírias (desisti de ler), mas definitivamente para mim a narrativa do Paulo Coelho nem sempre funciona pois vem carregada de muito, bordões batidos ou frases clichês, misticismo, irracionalidade e ainda por cima "romantização" de problemas sérios.
Como a propaganda foi muito bem feita, logo aceitei ler o tal livro e tirando os pontos já citados acima, me surpreendi muito positivamente, em menos de dois dias já havia devorado o exemplar e já estava inclusive fazendo propaganda para outras pessoas.
A história se passa em Liubliana, uma pequena cidade da Eslovênia (onde ninguém sabe onde fica rs) e é mais ou menos assim:
O renomado Dr. Igor dirige o sanatório (hospício) de Villete e quer provar sua teoria de que o corpo humano produz e acumula uma substância chamada vitriolo, que segundo este doutor, seria a causa das pessoas sofrerem de problemas de desordem mental como depressão, esquizofrenia, psicoses e afins. Além de provar a existência do vitriolo, o Dr. Igor também quer provar a existência de uma cura ou tratamento para TODAS as desordens mentais.
A eliminação do vitriolo funcionaria seguinte forma: O corpo do indivíduo intoxicado pela substância só poderia combate-la caso tomasse consciência da finitude da vida e dos benefícios da vontade de viver e é neste ponto que ponto que entra a Veronika, jovem, atraente, sexy, bonita, bom emprego e aparentemente bem resolvida com seus problemas e frustrações; sua vida transcorre sem grandes acontecimentos, alegres ou tristes, uma vida normal até demais e isto não a deixa feliz. Um belo dia, achando que nada iria mudar se continuasse vivendo, decide acabar com tudo tirando a própria vida, uma suicida! Depois de uma tentativa mal sucedida vai parar no hospício de Villete.
O tal Dr. Igor mente descaradamente e afirma para Veronika que devido ao modo como ela tentou tirar a própria vida seu coração sofreu danos irreparáveis e por isso ela morreria em questão de dias. Com esta mentira, o Dr. Igor consegue brilhantemente instigar o medo da morte e a plena consciência da finitude da vida em Veronika e em todos que viriam a interagir com ela.
Veronika fica totalmente desamparada, pois ela queria morrer, então sofre do desespero de perder o controle sobre sua vida ou morte, a dúvida do quando será, como será e onde será. Resignada, Veronika começa a interagir com outros personagens considerados "loucos e/ou incapazes" dentro de Villete, em especial com Zedka, uma deprimida que acredita realizar viagens astrais; Mari, uma advogada muito bem sucedida mas que sofre de crise do pânico, Dr. Igor que se julga o sucessor de Freud e Eduard, um jovem bonito, incomunicável e esquizofrênico.
Como boa suicida, Veronika passa a questionar os valores e o sentido da vida e partindo dai, surgem mudanças sutis em seus pensamentos e ela passa a ver que a vida não é tão simples como pensava e que talvez morrer não fosse assim a melhor opção. Agora com os dias contados e incertos, ela decide viver os últimos dias de sua existência com intensidade e redescobre a paixão pela vida que tinha perdido. Nas palavras da própria suicida:
"Quando tomei os comprimidos, eu queria matar alguém que detestava. Não sabia que existiam, dentro de mim, outras Veronikas que eu saberia amar"
Veronika então abandona mascaras sociais, preconceitos, etiquetas inúteis, costumes irrelevantes e assim por diante. Parece até que ela quis fazer um remake do filme "curtindo a vida adoidado"... Brincadeira gente (ou será que não?! leiam o livro).
Zedka, percebe que a vida está passando e ela continua perdendo os anos inerte dentro do sanatório, mas ao ver a situação da moribunda, decide tentar tocar a vida para frente novamente. Mari que já estava sem crises de pânico a anos, se escondia atrás dos muros de Villete apenas para não encarar o mundo como ele é, percebe a finitude da vida e resolve sair de Villete também. Ambas aceitaram que sofrem de problemas debilitantes, mas já se consideram fortes o suficiente para superar quaisquer crise que venha a aparecer.
Vernokia se apaixona por Eduard e este que até então era incomunicável, magicamente corresponde o sentimento arrebatador e ambos decidem curtir os supostos últimos momentos juntos; fogem de Villete, e cada dia de vida de Veronika passa a ser considerado uma dádiva divina, um milagre.
"Como eu lhe conheci há uma semana, seria muito cedo para dizer: eu te amo. Como não devo passar desta noite, seria também muito tarde para dizer-lhe isso. Mas a grande loucura do homem e da mulher é exatamente esta: o amor."
O Dr. Igor, que é tão louco quanto seus pacientes entra em êxtase e apesar da mentira antiética, considera seu experimento da cura do vitriolo um sucesso estrondoso que irá repercutir e revolucionar o mundo da psicanálise, praticamente o Dr Igor acha que irá ganhar um Nobel e ficará com o nome gravado na história da medicina.
Pois bem, antes de mais nada, eu mesmo recomendo a leitura deste livro para quem gosta de temas como suicídio e sentido da vida, mas não gosta de se aprofundar muito ou não quer termos técnicos no vocabulário. Como já esperava dos escrito do Paulo Coelho:
- Verdade que a linguagem é fraca, mas a "mensagem" que ele deixa no fim das contas é importante e verdadeira. Assim, o livro cumpre muito bem com seu objetivo. Afinal, vivemos em um país tropical e abençoado por Deus...
- A leitura dessa história nos faz refletir que estamos sempre escolhendo, a cada momento de nossas vidas, entre desistir e seguir adiante.
- Durante a leitura, o autor minimiza muito a loucura, e passa a falsa impressão de que basta o apenas "querer" e tudo muda, basta ver o megalomanismo do Dr. Igor em acreditar que pode curar TODAS as doenças mentais ou a maneira repentina que Eduard se "cura" da esquizofrenia para viver uma paixão. Na vida real existem tumores e regiões cerebrais mal desenvolvidas que certamente estão fora do controle da força de vontade...
- Existem passagens muito desnecessárias no livro, como a suposta viagem astral de Zedka, não acrescenta em nada à história, mas cai na malha... nossa... livro do Paulo Coelho tem que ter disso.
- "O universo conspira a seu favor e nada acontece por acaso". Não! O universo não conspira a seu favor e em favor de ninguém, ele é fruto do acaso, você que aproveite ou fique para trás.
- Em minha opinião, o final do livro teria muito mais sentido se a tal Veronika realmente morresse, mas com a clareza de que não viveu tudo o que poderia.
- O julgamento de Deus feito por Mari é muito sensacional, e muito provavelmente é o que aconteceria em nossa sociedade mesmo.
- Veronika: Aceitou que sua vida era infeliz pois nunca havia imposto suas vontades, pois acreditava que estas eram imorais ou inaceitáveis, ou seja, viveu para os outros; mas aprendeu a se aceitar e doravante viu um mundo com mais possibilidades.
- Mari: Advogada muito bem sucedida, mas que sofria de síndrome do pânico. Passou anos escondendo a doença pois soaria "feio" para seus clientes; só conseguiu sair da inércia depois de aceitar que sua vida jamais seria a mesma e ela jamais seria normal, teria que conviver com suas possíveis síndromes de pânico.
- Zedka: Entrou em depressão por relembrar um amor da juventude. Só conseguiu tocar a vida adiante depois de aceitar que o passado acabou e este amor não vingou.
"Nesta direção", disse o Gato, girando a pata direita, "mora um Chapeleiro. E nesta direção", apontando com a pata esquerda, "mora uma Lebre de Março. Visite quem você quiser quiser, são ambos loucos."
"Mas eu não ando com loucos", observou Alice.
"Oh, você não tem como evitar", disse o Gato, "somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca".
"Como é que você sabe que eu sou louca?", disse Alice.
"Você deve ser", disse o Gato, "Senão não teria vindo para cá."
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Chapeleiro, você me acha louca?, disse Alice.
Louca, louquinha ! Mas vou te contar um segredo: as melhores pessoas são. Respondeu o Chapeleiro.
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