A fácil paternidade
Mesa de bar. Eu e mais três amigos homens. Todos na mesma faixa etária, trinta e muitos. Mas eles têm uma coisa que não tenho: filhos. Eu adoro crianças mas nunca quis ter. Nem cogitei.
A biografia dos três é bastante similar: casaram cedo, tiveram filhos, separaram rápido, foram morar em outras cidades. Hoje, falam com os filhos por Skype regularmente, mandam um chequinho todo mês, passam as férias junto. E se acham bons pais.
De vez em quando, o assunto passa pelos filhos. Me dão umas cutucadas, dizem que homem tem que ter filho para ser pleno, trocam histórias orgulhosas de seus pimpolhos, essas coisas.
E eu, que sei que tem coisas que não se falam porque ferem fundo; eu que não quero atacar a própria imagem que meus amigos têm de si mesmos; eu que sou amigo de muitas mulheres que criam sozinhas filhos de pais que moram longe; eu que sei que tirar remela, botar roupinha, levar pra escola, contar história é mais difícil e cansativo que assinar um cheque todo dia cinco; eu fico cuidadosamente calado, ou então digo apenas:
"Vocês é que têm sorte. Eu nunca vou provar das delícias de ser pai."
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A menina tem quatro anos.
Ela chega da escola às quatro da tarde e vai dormir às nove da noite: durante essas cinco horas, domina totalmente a casa. A mãe tem que parar tudo para antecipar suas necessidades. Não consegue completar uma frase. Manter um diálogo se torna impossível. Quando a menina não está pulando em cima dela e interrompendo nossa conversa, está jogando videogames barulhentos, assistindo filmes e gritando junto com os personagens, pedindo comida ou reclamando da vida – são impressionantes as crises existenciais dos quatro anos.
O pai mora em outra cidade, liga quase toda noite, não manda chequinho porque ganha pouco, fica com a filha um fim-de-semana a cada dois meses e se acha o melhor pai do mundo, amoroso e participante.
Eu, que também gosto dele, não tenho coragem de corrigir.
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Decidi não ter filhos porque não quero a vida dessa mãe. Se fosse pra ter a vida desses pais, gostaria sim.
Quer coisa melhor do que a sensação deliciosa de ter posto uma vida autônoma no mundo, de ter cumprido suas obrigações para com seus genes... mas sem nenhuma das pentelhações cotidianas?
Você vive sua vida como sempre viveu, namora à vontade e come mulheres, se concentra no trabalho e investe na carreira e, às oito da noite, faz um DDD de cinco minutos pro filhão!
Todo mês, tira um pedacinho do seu contracheque – o que, se você estiver acima da linha de pobreza e não for egoísta, não é nenhum grande sacrifício, e ainda pode até ser considerado um investimento pro futuro.
Nos feriadões e nas férias, curte a companhia do seu mini-me e transmite toda sua sabedoria acumulada: olha só como se pesca, deixa eu te mostrar uma coisa que seu avô me ensinou, toda aquela egotrip paterna macho-alfa blá blá.
E, que delícia!, no último dia das férias, você manda o pimpolho de volta pra mãe e recupera a sua vida como se aquela camisinha nunca tivesse furado.
E ela que cuide do almoço e janta, do lanche e do banho, do horário de escola e da agenda de recreação, que sacrifique a carreira e a vida pessoal, que deixe de sair e que afugente namorados, 24h por dia e 7 dias por semana, enquanto você se sente de alma lavada e dever cumprido por assinar um chequinho todo mês e ligar dois minutos por noite.
Afinal, ser pai é isso, não?
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Texto de Alex Castro
Do livro Outrofobia: Textos Militantes
Editora Publisher, 2015
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