Depois de ler e reler muitas pesquisas exaltando os vários benefícios de ir ao trabalho de bicicleta, fiquei interessado, mas...não aderi a ideia. Depois de assistir com certo temor tudo aumentando: gasolina, dólar, euro, gás, energia elétrica, alimentos, gasolina, água, frutas, trigo, pão, manteiga...gasolina (já havia falado?)... Enfim meu poder de compra diminuiu e ai fiquei muito mais interessado na ideia de ir ao trabalho de bicicleta; tomei o rumo das pesquisas de mercado de bicicletas usadas; mas, como das outras vezes que estive com vontade, acabei ficando só nas pesquisas de preço mesmo.
Um belo dia, minha carteira de habilitação venceu e quando fui renová-la, uma surpresa muito desagradável, precisaria realizar novamente o processo de emissão de CNH, isto é, auto-escola, biometria, médico, psico-técnico...Tá, certo! Ponto para a ciclomobilidade, porém, como em Belém tudo é na base do "faz de conta", continuei trafegando de carro sem CNH mesmo, já que na parte por onde dirijo praticamente inexiste poder e fiscalização públicos.
Outro belo dia (sim, todos os dias ficam belos depois de superadas as dificuldades), após uma das muitas chuvas torrenciais que acometem Belém, meu carro afundou em um buraco (ou cratera) e passou a vazar óleo da direção, como resultado...foi ficando com a dirigibilidade quase nula, ou seja..."ficou no prego". Mais um ponto para a ciclomobilidade.
Quase concordei com Paulo Coelho e suas ideias de que existem "forças do universo" que conspiram para que certas coisas aconteçam, mas apesar das "forças ocultas" estarem me direcionando a algo, ainda não foi desta vez que fui ao trabalho de bicicleta; apelei para o transporte público; aqui na região metropolitana de Belém, temos ônibus e vans. "Tudo bem", disse a mim mesmo e fui para o ponto de ônibus...espera...espera...espera...nossa, se passaram 30 minutos e nada da "aparição"; esperei mais 10 minutos e em minha cabeça, só haviam lembranças de histórias de trens e navios fantasmas, que demoram a aparecer e nem todo mundo tem a sorte de se deparar com algum deles...mas finalmente, apareceu o ônibus; abarrotado, lento, mal cheiroso e muito caro. Meu local de trabalho fica a apenas 5,9 quilômetros de distancia de casa, mesmo assim, precisei de três ônibus para ir e mais dois para voltar; cada passagem custa R$ 2,70, ou seja, cinco passagens:
R$ 2,70 x 5 = R$ 13,50
Considerando apenas 5,9 quilômetros de distancia é um absurdo. Apenas a nível de comparação e curiosidade, um carro popular 1.0 (pelo menos em teoria) realiza algo entre 12,0 km e 15,0 km com um litro de gasolina, que custa R$ 3,75, ou seja, com 1 litro de gasolina ao dia daria para ir e vir do trabalho. É...o transporte público deixou muito à desejar neste quesito...
Resumindo a ópera, sem carro, sem carteira, sem grana para gastar em ônibus, finalmente chegou a hora de apelar para a bicicleta como meio principal (e único) de transporte. Devido aos altos índices de ineficiência na prevenção de roubos, achei muito prudente adquirir uma "bicicleta de supermercado" para tal finalidade.
A bicicleta do supermercado
Já havia me inserido a tempos nas pesquisas de uma bicicleta usada já pensando em utiliza-la para ir ao trabalho; por estas bandas,é muito difícil achar uma magrela usada com "boa procedência" (leia aqui, não roubada), mesmo assim consegui descolar uma Houston foxer hammer em condições de uso, porém, com necessidade de
muitos ajustes. Para quem quiser uma nova, o preço deve variar entre R$ 250,00 a R$ 400,00 nos supermercados; já uma usada, entre R$ 100,00 e R$ 400,00 (o preço de uma nova...sem noção).
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Houston foxer hammer |
As bicicletas de supermercado apesar de sofrerem com preconceitos por parte da maioria dos ciclistas, não são de todo o mal, mas poderiam ter melhores vendedores/montadores. A nova integrante da família veio com a
roda traseira solta, pneu traseiro invertido, freios e câmbios desregulados, os parafusos que deveriam segurar o selim e o guidão estavam cuspidos e frouxos, os pedais eram feitos de plástico da pior qualidade; como consequência, adquiri uma bicicleta que não andava, não freava e não tinha posição de pilotagem. Com o jogo básico de chaves de boca e de fenda, foi possível resolver a maioria dos "problemas inatos"; depois de alguns dias, senti que o trocador de marchas do tipo cíclico não funciona tão bem ou eu quem não conseguiu se adaptar à coisa, foi logo substituído por um trocador do tipo rapid fire.
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aberração da indústria: trocador cíclico irregulável |
Depois de 200 quilômetros é notável o ranger das peças ao pedalar, provavelmente, seja melhor trocar o sistema de transmissão também, talvez um nexus 3 ou um sistema fixo caiam como uma luva para meu caso.
Percurso até o trabalho
O primeiro desafio depois de arrumar a bicicleta foi superar o medo, já que além do asfalto, a educação no transito também tem fama de ser péssima e, aliado à isto, não existem ciclovias em periferias aqui em Belém/PA; certos trechos inexistem calçadas, o que dirá então uma ciclovia; noutros, a ciclovia "desaparece" seja por falta de manutenção, seja por falta de limpeza; e em outros ela é desrespeitada na maior "cara-de-pau" sendo utilizada como retorno na contra-mão, estacionamento, faixa de ultrapassagem, ponto de venda de camelôs e o que mais couber na imaginação.
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Rodovia Mário Covas |
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Rod. Mário Covas: nem calçada se vê...imaginem ciclovia |
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Trecho recentemente reformado da Rod. Mário Covas...esqueceram dos ciclistas; e olha que havia espaço sobrando... |
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Rodovia Augusto Montenegro: Ciclovia desapareceu neste trecho |
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Rodovia Augusto Montenegro: Ciclovia tomada por mato e lixo |
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Rodovia Augusto Montenegro: Cena mais comum nas ruas, pisca-alerta e parada em local proibido...coisas de povinho babaca |
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A pior desgraça enfrentada por mim até então: "bicileteiros" na contra-mão |
Deveres do ciclista
Direitos sem deveres é o que muita gente acha que tem...coitados...só pensam no bonus sem o onus, infelizmente, o povo foi acostumado com este modo de pensar e agir. O código de trânsito nacional inclui as bicicletas como sendo um veículo qualquer, inclusive com alguma regras "obrigatórias", ou que ao menos deveriam ser.
É claro que boa parte das normas do CTN são de fazer rir, mas, com a experiência de oito anos trabalhando na área hospitalar de urgência e emergência, devo concordar com a exigência de certos itens na bicicleta; a segurança deve vir antes da beleza, logo, por mais bizarro, ridículo, cafona ou "alienígena" que fosse, precisei adotar certas medidas para preservar minha boa saúde e o bom convívio no trânsito (e no trabalho também):
- Quanto ao sol e calor impiedosos, manguitos, camisa, luvas, todos com proteção UV.
- Desodorante "do bom", pois é quase impossível não transpirar.
- Kit de banho leve e compacto para usar antes de iniciar o trabalho, aqui, uma toalha e sabão líquido são os básicos; não é necessário dizer que no trabalho deve haver chuveiro...
- Porção de carboidratos/proteínas em forma de barra e duas passagens de ônibus sempre guardados como reservas emergenciais.
- Para não amargar grandes prejuízos em casos de sinistros de roubo, tudo de desnecessário ou pouco útil fica ou em casa ou já no trabalho.
- Para maior segurança. lanternas de silicone e removíveis para pedalar à noite, retrovisores e capacete.
- Para melhor conforto, bagageiro e descanso central.
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Bicicleta urbana básica, faltando apenas para-lamas e buzina/campainha |
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Descanso central para melhor conforto ao "estacionar" |
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Garupa de ferro...alta capacidade de carga |
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Sinalização traseira para os motoristas enxergarem que existe um ciclista a frente |
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Sinalização dianteira para iluminar o caminho e sinalizar que alguém vem vindo |
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Retrovisores em ambos os lados, pois em Belém não existe um padrão de ciclofaixas...apenas por segurança para ver quem vem logo atrás ou para tentar ultrapassagens |
Conclusões
Já experimentei os prazeres e estresses de muitos meios de locomoção urbana, desde ônibus até bicicletas, então para mim fica muito claro e compreensivo quando ouço xingamentos no trânsito (não necessariamente direcionados a mim). Quando pilotei moto, aprendi que tamanho é documento e que qualquer imprudência pode ser fatal; quando dirigi um carro, aprendi que existem pontos cegos (onde motos adoram ficar) e que tamanho além de documento, pode vir a ser um empecilho; à pé...somos donos do nosso tempo e espaço, vamos onde quisermos sem se preocupar com multas ou estacionamentos. Todo meio de transporte tem lá suas vantagens e desvantagens, o fato é que quanto maior, mais difícil fica de fugir de um engarrafamento, estacionar, se mover...De bicicleta, pude me surpreender com algumas coisas:
- Desde que ande paramentado, bem visível; corretamente e sinalizado, o ciclista pode sim ser bem respeitado, afirmo isto, pois tenho muito mais dor de cabeça com "bicicleteiros" do que com auto-motores;
- Ir (e vir) ao trabalho muitas vezes é mais rápido que de carro ou ônibus;
- A região metrpolitana de Belém é "engarrafada" por diversos motivos, destaques para: Transporte público ineficiente e caro; falta de fiscalização; falta de campanhas educativas relacionadas à mobilidade e educação urbanas; falta de planejamento urbano na hora de construir um prédio, shopping, hospital, escolas...
- Toda saída para trabalhar virou um pequeno treino;
- A economia com combustível chegou a impressionantes 80% a menos no bolso!
- A queima de calorias e gorduras mostrou-se mais eficiente do que com exercícios caseiros...
- A maioria dos bicicleteiros não tem freios ou sinalização nas bicicletas e muitas vezes nem olham para trás antes de atravessar a rua ou tentar uma ultrapassagem;
- Furtos de bicicleta são muitos comuns, e a maioria tem como causa a preguiça, muitas bicicletas tem cadeado, mas raramente são usados;
- "Bicicletas de supermercado" não são de todo o mal, mas, deve-se escolher uma já tendo em mente uma possível substituição das peças "originais" por peças de melhor qualidade, ou adaptações para diversas finalidades (bagageiro, para-lamas, pneus mais finos, selim ajustável...);
- É muito mais fácil ter uma admiração autentica dos colegas de trabalho indo de bicicleta do que de carro;
- Atravessar um engarrafamento de bicicleta causa muito mais inveja do que carro novo;
- Se você tem medo de ter sua bicicleta roubada, faça como eu, arrume uma básica, mas sem abrir mão da segurança;
- O medo é do tamanho de uma caixinha de fósforos e escutar gente frustrada sem embasamento faz ele ficar do tamanho de um elefante.
Se um dia você pensou ou gostaria de tentar ir ao trabalho de bicicleta, seja por economia, sustentabilidade ou simplesmente prazer, mas tem um elefante chamado medo, deixo uma citação da espetacular Clarice Lispector:
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