O vilão da história





No clássico do PS1, Castlevania: Symphony of the night existe uma das cenas mais fantásticas da série castlevania. Alucard, desperta de seu sono vampiresco e descobre que o castelo de drácula reapareceu no mundo e decide então, impedir seu pai, o drácula. Uma vez dentro do castelo, Alucard encontra uma mulher misteriosa que afirma estar no castelo para saber do paradeiro de Ritcher Belmont; Alucard não a reconhece, mas logo ela revela ser Maria, uma das crianças que ele mesmo ajudou a salvar no passado, afinal, o tempo não passa para um vampiro. A moça já não tão misteriosa continua a falar do tal Belmont daquela era e aparece um balão ilustrando de quem ela está falando, com cores vivas e boa definição; já na cabeça de Alucard, outro balão, desta vez em tons de sépia e baixa resolução, um belo trocadilho para comparar o avanço gráfico entre SNES (o passado) e PS1 (na época do jogo, o presente). MAS, esta cena nos traz outra reflexão também, o Ritcher Belmont era um para Maria e outro para Alucard, quase como duas versões distintas, quase como pessoas diferentes.


Castlevania: Symphony of the night


Dia destes reencontrei uma figura de um passado quase desbotado; sentamos para conversar e atualizar a resposta nada simples de "como vai a vida?". Durante a interação, pude notar que a relação que costumávamos ter era exatamente tal qual R. Belmont, para mim, tons coloridos em sua maioria; já para a outra pessoa do pretérito "quase" perfeito; tons cinzas, negros; e para além da descrição infernal, eu havia encarnado o próprio capeta... (Eita?! Como assim?)

Agradeci muito pelo tempo compartilhado e vivido, que aliás, na minha versão, foi pra lá de bem vivido, mas diante dos novos fatos, não pude deixar de acrescentar um "graças a deus que acabou". Se existe algo que acredito veementemente é que se algo não está realmente bom, deve terminar mesmo.

Vilanesco


Ninguém passa nessa vida sem errar, e as vezes, cometemos erros que podem vir a machucar alguém e este por sua vez cria a necessidade de justificar todo o ocorrido para a própria mente e é aqui que a psique cria/transforma algumas narrativas. Errar não está em nosso controle, assim como ser vilão na história de alguém também não. Fato é que não importa o que você faça, não faça, deixe de fazer ou até tentou fazer, as pessoas não enxergam o mundo como ele é, mas como elas são. Sim caros leitores, já dizia o grande poeta:


Rubem Alves sobre a beleza


E assim como enxergamos a beleza, enxergamos o mundo. A forma com que você enxerga o mundo tem a ver com a sua história, sua bagagem, seus traumas, suas escolhas, suas amizades… E convenhamos que de errar para se tornar um vilão é um passo muito grande.

Quando uma pessoa constrói alguém como vilão de sua história pessoal, pode ser sinal que ele/ela não sabe lidar com seus erros, não aceita a verdade estampada na sua frente e nem tampouco assume o protagonismo da própria vida. É necessário criar um antagonista que justifique a narrativa criada na própria psique para que tudo faça sentido. Construir o vilão pode servir como escape à culpa pela forma como trataram alguém. Construir um vilão é dar vazão à projeções e frustrações ou ainda, feridas emocionais que fazem parte da própria pessoa e não do vilão em si. A raiva, rancor e ressentimento que o outro tem não é sobre o vilão e sim sobre os conflitos internos dela mesma. Construir um vilão é dar importância desnecessária a alguém. É gasto de energia. Mas quem gasta esta energia deixa de olhar para si e ajustar a própria órbita.

Muitas vezes, personificar um monstro em alguém pode ser também uma das maneiras que alguém encontra de tratar seus traumas e finalmente amadurecer emocionalmente para seguir adiante na jornada da vida.


Culpa e ressentimento


Culpa é um sentimento com uma baita carga de aflição que sempre diz respeito a nós próprios. Sabem como ela surge? Quando cometemos alguma ação ou até mesmo quando pensamos ou desejamos algo que é contrário às normas da sociedade ou nosso código interno de valores.

Logo, culpar o outro por alguma falta que consideramos ter sido cometida contra nós é ressentimento. E o ressentimento consiste em culparmos outra pessoa por ter nos prejudicado por meio das ações dela. O ressentido vai colocar-se na posição de vítima e doravante, todos os acontecimentos que consideramos negativos, atribuímos aos outros, sem a mínima reflexão. Afinal:

se a culpa é minha, coloco-a em quem eu quiser, não é? =)


Orgulhe-se


Ao final do castlevania do PS1, Alucard obtém êxito e consegue impedir seu pai, no entanto, apesar de todos seus feitos muito valorosos, Alucard ainda é um vampiro, um monstro que é incapaz de caminhar à luz do dia e ter uma vida "normal". Alucard decide então, se isolar e ir para longe mais uma vez, sabendo que fez o que estava a seu alcance e que dali em diante, não pertencia mais àquele enredo.

Se assim como Alucard, você foi feito de monstro/vilão na história de alguém, pense que aquela missão, aquele ciclo, aquela fase finalmente acabou para você e que talvez seja a hora de seguir adiante sem olhar para trás.

Se chegou ao ponto de precisarmos justificar quem somos e o que fazemos (ou oque não fizemos), talvez já não sejamos mais parte do enredo, é economizar energia e deixar tudo para trás, mesmo com a certeza de não ter feito metade das coisas maléficas que as narrativas contam.

Acima de tudo, devemos nos lembrar que bons vilões são tão inesquecíveis e carismáticos quanto protagonistas; aliás, bons vilões são a ponte que protagonistas usam para se superar e ficarem mais fortes e maduros.

Se você foi feito mau na história de alguém, orgulhe-se; talvez você tenha ajudado alguém a amadurecer e se superar =)

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