O que não te contam sobre serviços farmacêuticos nas farmácias de Curitiba

Visão empresarial de farmacêutico clínico ideal

A manhã começa bem preguiçosa, um cara de nome Pedro se apresenta para começar uma palestra sobre serviços farmacêuticos... Caraca! pensei com meus botões: "sair cedo da cama para assistir a uma palestra patrocinada pela empresa acabou de ficar interessante..."; ledo engano...ledo engano, afinal, foi patrocinada pela empresa, ainda assim, queria ouvir.

O tal Pedro palestrante começa a falar sobre si; um cara que de entregador menor aprendiz virou farmacêutico e de farmacêutico, virou guru, sobrevive hoje de palestras onde cobra segundo ele mesmo R$ 1.200 por cabeça, inclusive, com exemplos anteriores onde depois de os participantes assistirem a tal palestra ficaram "com sangue nos olhos" e o crescimento da empresa superou em muito a expectativa no seguimento de serviços farmacêuticos. Em, seguida à sua apresentação quase épica de superação, ele avisa que está cansado, pois veio de uma palestra e logo pela tarde teria que ministrar outra bem longe dali, precisando correr muito para não se atrasar. Não pude deixar de rir sozinho no meu canto e lembrar do prof. Clóvis de Barros Filho falando sobre gurus em suas palestras: "o guru vem de longe, propõe fórmulas mágicas e logo sai correndo...". Pois é...

São passadas informações sobre mercado farmacêutico, que nunca para de crescer e que cada vez mais pessoas precisam de comprimidos e bláblábláblá, e que no futuro o mundo precisará de pessoas qualificadas para cuidar da tal demanda. Uma pausa é feita para aplicação de um teste de personalidade DISC, afinal, é importante que conheçamos a nós mesmos e àqueles que virão atrás de nosso serviços, ou seja, clientes. Recebo em mãos os testes de personalidade e alguns brindes, dentre eles:

Tudo se resolve com comprimidos...

Outra risada sai bem do fundo da alma, costumo dizer por ai que hoje em dia todo mundo quer resolver qualquer coisa tomando comprimidos ao invés de trabalhar em mudanças que resolveriam o problema...ai me aparece um negócio desses... É para rir bem alto mesmo.

Falar de serviços clínicos farmacêuticos em Curitiba é tipo reinventar a roda, já explico; por estas bandas, as farmácias são apenas dispensadoras de medicamentos e têm foco apenas em venda e lucro; a lei n° 13021/2014, que transforma a farmácia em estabelecimento de Saúde e reitera a obrigatoriedade da presença permanente do farmacêutico nas farmácias e parte da RDC 44, que abrange serviços farmacêuticos ainda não chegaram por aqui...afinal, para o grande empresário paranaense e em especial, curitibano, implementar serviços, adequar espaço e contratar profissionais qualificados apenas representa custo e não investimento. Depois de descobrir que tinha um genro farmacêutico, meu sogro passou a fazer discursos sobre como eram as farmácias e os farmacêuticos de antigamente... Lembro sempre de argumentar: "De onde eu venho, ainda somos assim", cansei de medir pressão e verificar glicemias, por aqui parece que houve lavagem cerebral e amnésia coletiva, pois é raríssimo uma farmácia na capital paranaense com tais serviços e profissionais.

Então o palestrante faz a seguinte comparação mais ÓBVIA do mercado, "para que eu irei comprar  uma dipirona na farmácia X se a farmácia Z vende pela metade do preço? São os mesmos produtos não são?" e começam novamente os blábláblás sobre a importância do bom atendimento e que um bom serviço farmacêutico seria o diferencial; mesmo ninguém na história tendo chegado a um consenso sólido e exato sobre fórmulas de venda e atendimento. Nestas horas aparecem até mesmo aquelas bizarrices do tipo atender o cliente assim que o mesmo olha para o letreiro da farmácia..."um simples estou apenas olhando (entenda conhecendo) sua farmácia" não serve...o importante mesmo é tratar o cliente como um demente mimado e incapaz.

Para minha angústia, o palestrante começa a comparar farmácia com restaurantes... Por aqui, há o prato típico frango com polenta, servido nos restaurantes de bairro como PF ou nos restaurantes mais chiques, a diferença segundo o palestrante, estaria no desejo, no local e no mimo do cliente... Apesar de ilógico, tenho que dar o braço à torcer, afinal, experimente levar uma mina a um restaurante e comprar PF no primeiro encontro. O que ninguém conta é que em outros tipos de comércio, são trabalhados desejos, a pessoa vai porque quer, compra uma imagem social do objeto e não o que realmente o objeto oferece, um bom exemplo disso é iphone...faz o que qualquer outro aparelho faz, mas custando muito, muito, muito, MUITO mais. Imagino, caro leitor, que se eu colocar uma losartana potássica em suas mãos, dificilmente incitarei o desejo de compra deste medicamento a menos, que você necessite, claro.

A partir deste ponto, não sei se por mau caráter, desconhecimento ou falta de tempo, o palestrante começa com o velho mantra dos gurus: "se você quer, você pode!" e passa a colocar a culpa e/ou responsabilidades apenas para o profissional farmacêutico, acontece que implementar um serviço farmacêutico exige atravessar quatro grandes filtros, que na gringa, são abreviados de APOTECA (Atitude, POlitical, TEChnical, Administrative):
  • Atitude: O farmacêutico, o cliente e a empresa devem querer que o serviço funcione e devem tomar medidas para isto.
  • Políticos: Afinal, existem leis que regulam o setor.
  • Técnicos: O profissional deve ter conhecimento sobre o que está fazendo.
  • Administrativos: A empresa deve dar condições de trabalho, que passam desde tempo hábil, estrutura, número de funcionários, softwares, materiais básicos de trabalho e pro ai vai.
Então, ocorre mais uma pausa para atividade, que foi chamada de divisão de mares ou divisão de águas, onde deveríamos nos organizar em grupos e escrever em um lado de uma cartolina os pontos positivos que a empresa tem a respeito dos serviços farmacêuticos e do outro lado os pontos negativos...

O apenas ter uma sala para consulta, atividades e serviços farmacêuticos já diz muito, muito mesmo, pois aqui em Curitiba, as receitas são lançadas no balcão, onde a todo momento um infeliz aparece para interromper a concentração, como dito anteriormente, o foco é lucro com o menor gasto possível e não qualidade, bem estar e eficiência dos funcionários e serviços prestados. Nesta atividade, soube da comissão para cada consulta farmacêutica... para mim foi quase um êxtase. Pena que durou pouco.

Ao final, cada grupo deveria apresentar o que foi escrito e não deu outra, os pontos negativos enquadraram-se todos nos domínios APOTECA, onde a maioria dos itens em número ficou por conta de fatores administrativos:
  • Falta de tempo hábil para realizar consulta; um (ou poucos) balconista(s) e um farmacêutico não dão conta;
  • Excesso de responsabilidades do farmacêutico, que vão desde trocar dinheiro, fazer escalas, lançar receitas até trocar dinheiro nos caixas, é... estar empolgado com uma explicação para um cliente e aparecer um caixa pedindo para trocar R$ 50,00 é brochante;
  • Sistema operacional com travamentos, pouco intuitivo, lento;
  • Baixa remuneração e baixo comissionamento, aqui, um minuto de silencio pela morte do meu desejo em trabalhar com farmácia clínica nesta empresa, alguém afirmou que paga-se R$ 0,35 por consulta...isso mesmo, centavos... não dá pra pensar nem em tomar uma xícara extra de café;
  • Dificuldade em obter conhecimento técnico ou pós-graduação na área, seja por falta de tempo ou dinheiro;
  • Falta de estrutura física ou estrutura física precária;
  • Falta de propaganda para a comunidade, o que não aumenta o número de clientes interessados em serviços farmacêuticos;
  • Falta de interesse do farmacêutico em realizar o serviço clínico, afinal, como a maioria alegou, para que ter trabalho extra e ganhar o mesmo de quem não faz?!

O palestrante neste momento passou MUITO óleo de peroba na cara e se resumiu a dizer:

"Divulguem o que vocês fazem, postem fotos, façam com amor, no passado não ganhávamos nada (o que é mentira) hoje são centavos, mas já é algum avanço..."

Aparentemente a tentativa de causar glaucoma generalizado ("sangue nos olhos") dos ouvintes não deu muito certo, e acabou elucidando o que diversos estudos já mostravam, má administração, falta de motivação e incentivo do profissional farmacêutico, não deixam que serviços clínicos farmacêuticos evoluam.

Terminei a palestra, o dia e a semana rindo para as paredes, não sei se de tristeza, de indignação, de desespero; fato mesmo é que a modinha é implementar serviços e consultórios farmacêuticos na tentativa de diferenciação; porém, em Curitiba, dentro das farmácias, não há como implementar um bom serviço farmacêutico enquanto os empresários ficarem fazendo apenas o básico: pagar o piso, cortar investimentos e liofilizar a equipe de trabalho; afirmo que em troca obterão apenas o lucro básico cada vez menor e farmacêuticos de corpo presente fazendo também o básico, papel de balconista de luxo. 

Aquele conto coaching de que se você fizer sempre mais do que deveria o levará a um lugar ou salário melhor é história para boi dormir, o fazer a mais deve vir dos dois lados. Recebendo o piso, nota-se que este tal mercado de drogarias não paga o suficiente pelo conhecimento e pagando apenas o salário base, receberá apenas o conhecimento básico e é por isso que muita gente boa migra para outras áreas ou ramos de atividade. Reconhecimento e valorização profissional começam em não aceitar qualquer coisa. Uma pena.

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