Os bichos vão para o céu?
Completa-se um ano da morte do meu anjinho da guarda; Nietzsche já falava que uma grande questão na vida era quanta verdade poderíamos suportar e eu, que definitivamente não creio em praticamente nenhuma dessas baboseiras repetidas à exaustão em igrejas, templos, terreiros e por ai vai, aprendi a contar apenas com o que está diante de mim, ao meu alcance; daí o problema de se aceitar o mundo como ele realmente é o fato de não se apoiar em misticismos e crenças, como a de acreditar que tudo tem uma alma eterna que vai viver em um céu ou outra dimensão; em horas de luto, isso se torna uma tarefa árdua, extenuante e difícil para o coração humano que não pode contar com forças externas para ajudar, pois é, tenho que admitir que qualquer crença, mesmo sem muita lógica tem lá sua finalidade; ainda assim, não pude deixar de relembrar de mais um texto de Rubem Alves:
Os bichos vão para o céu? : Tenho um amigo que é pastor de uma comunidade protestante. Por favor, não confundir “protestante” com “evangélico”… Contou-me de uma velhinha solitária que tinha como seu único amigo um cãozinho. Ela o procurou aflita. Havia lido no livro de Apocalipse, capítulo 22, versículo 15, que não entrarão no céu “os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras…” Que os impuros, os assassinos, os idólatras não entrem no céu está muito certo. “Mas reverendo”, ela dizia, “o meu cãozinho… A Bíblia está dizendo que o meu cãozinho não vai entrar no céu… Mas eu amo o meu cãozinho. O meu cãozinho me ama… O que será de mim sem o meu cãozinho?” Aí eu pergunto aos senhores, teólogos, estudiosos dos mistérios divinos: há, no céu, um lugar para os cãezinhos? Sei qual será a sua resposta. “No céu não há lugar para cãezinhos porque cãezinhos não têm alma. Somente os humanos a têm”. Acho que, teologicamente, segundo a tradição, os senhores estão certos. Nas inúmeras telas que os artistas pintaram da bem-aventurança celestial, por mais que procurasse, nunca encontrei animal algum. Aves, às quais São Francisco pregou (por que pregar-lhes, se elas não têm alma?), peixes, símbolos de Jesus Cristo, vacas, jumentos e ovelhas, que adoraram o Menino Jesus no presépio, todos eles serão reduzidos a nada. Não ressuscitarão no último dia. O céu será um mundo de almas desencarnadas. Não haverá beijos e nem abraços. Falta às almas a materialidade necessária para beijos e abraços. Os senhores já observaram que no Credo Apostólico a “alma” não é sequer mencionada? Lá se fala em “ressurreição da carne”. É a carne que está destinada à eternidade. A carne é o mais alto desejo de Deus. Tanto assim que Ele se tornou carne, encarnou-se. A esperança é a volta ao Paraíso, onde havia bichos de todos os tipos. Se Deus os criou é porque Deus os desejava e deseja. Um céu vazio de animais é um céu de um Deus que fracassou. Ao final Ele não consegue trazer de novo à vida aquilo que criou no princípio. Não. Herege que sou, direi à velhinha: “Fique tranquila. O seu cãozinho estará eternamente ao seu lado… Não só o seu cãozinho como também gatos, girafas, macacos, peixes, tucanos, patos e gansos… Deus gosta de bichos. Se Ele gosta de bichos eles serão ressuscitados no último dia…
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