Pato selvagem



"Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá de cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tudo tão bonito! Mas era uma beleza que doía. O cansaço do bater das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando e as espingardas dos caçadores...Foi então que um dos patos selvagens, olhando lá das alturas para a terra aqui em baixo viu um bando de patos domésticos. Eram muitos. Estavam tranquilamente deitados à sombra de uma árvore. Não precisavam voar. Não havia caçadores. Não precisavam buscar o que comer: o seu dono lhes dava milho diariamente. e o pato selvagem invejou os patos domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, baixou seu voo e passou a viver a vida mansa que pedira a deus. E assim viveu por muitos anos. Até que...Até que, num ano como os outros chegou de novo o tempo da migração dos patos. Eles passavam nas alturas, no fundo do azul do céu, grasnando, um grupo após o outro. Aquelas visões dos patos em voo, as memórias de alturas, aqueles grasnados de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado, o lugar chamado saudade. Uma nostalgia pela vida selvagem, pelas belezas que se veem das alturas, pelo fascínio do perigo...Até que não foi mais possível aguentar a saudade. Resolveu voltar a ser o pato selvagem que fora. Abriu suas asas, bateu-as para voar, como outrora...mas não voou. caiu. Esborrachou-se no chão. Estava gordo demais. E assim passou o resto de sua vida: em segurança, gordo de barriga cheia, protegido pelas cercas e triste por não poder voar..."

(Ostra feliz não faz pérolas. Rubem Alves)

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